Separadas por apenas dez dias, duas das maiores democracias do planeta, o Brasil e os Estados Unidos, farão escolhas nas urnas que legarão questões espinhosas para quem aderiu a um ideário da moda. Políticos não deveriam chegar aos extremos do que as regras permitem na luta pelo poder, reza essa doutrina, sob pena de colocarem o próprio regime liberal em risco.
Deslegitimar a vitória do adversário, questionando-a na Justiça por exemplo, não seria uma prática abonada. Buscar o impeachment de um presidente eleito pela população tampouco seria recomendável.
Essas táticas, embora dentro da lei, ajudariam a corroer o pacto de convivência entre forças antagônicas e a transformar a disputa num vale-tudo para esmagar o rival.
Mais um código de boas condutas do que teoria política, esse arrazoado frutificou bastante enquanto os acusados de praticar o jogo duro eram figuras como Donald Trump e Steve Bannon, nos Estados Unidos, e Aécio Neves e Michel Temer, no Brasil.
As cartas se embaralham. A julgar pelas probabilidades, os democratas tomarão dos republicanos a maioria na Câmara federal e poderão abrir o impeachment de Trump. O PT tende a questionar na Justiça a legitimidade da provável vitória de Jair Bolsonaro com base no escândalo do WhatsApp, revelado pela Folha.
Que dirão os estetas dos bons modos na nova configuração? Que os democratas deveriam recusar-se a constranger Trump? Que os petistas precisam baixar a cabeça e aceitar bovinamente a vitória de Bolsonaro?
Duvido, como duvido que reconheçam o erro fundamental de seu raciocínio. Ele habita o campo normativo, daquilo que gostaríamos que fosse, e não o campo positivo, daquilo que, às vezes infelizmente, é.
Que os democratas e o PT usem até o limite da lei suas prerrogativas na disputa pelo poder não é só o esperado num ambiente de alta competição partidária. Isso ajuda a controlar a volúpia de atores musculosos que nunca deveriam jogar soltos.
Folha