Esses dias, andando pelo meu bairro, fui chamada de “petista p… velha” por eleitores do Bolsonaro. Lembrou-me do “vadia lésbica”, dito por um petista, na época do impeachment da Dilma. Em comum entre estas duas agressões, o fato de eu haver expressado minha opinião.
Um amigo meu, gay, foi abordado na rua por um ambulante que vendia camisetas “Bolsonaro, Acabou a Palhaçada”. Ele, e vários outros, já estão apavorados, mudando as roupas que usam para parecerem “menos gays”. Aplicativos de encontros entre homens, agora, dão sugestões de como evitar emboscadas e recomendam aos usuários não postarem seus rostos — como em países de extrema homofobia, tipo Irã e Rússia.
No elevador de um centro médico, dois homens não se importaram que uma amiga minha ouvisse o seguinte diálogo: “Cara, tão matando um monte de mulher”, “Ah, vai ver que merecia.”
Em Niterói, cidade onde nasci e cultivei minha liberdade, grupos neonazistas fazem manifestações.
Permitam-me, então, tentar entender como chegamos a esse ponto.
O impeachment só pôde ser chamado de golpe porque foi atrasado. Desde o mensalão, havia razões mais do que suficientes para o PT ser questionado no poder. Collor dançou por muito menos. Mas o PSDB, cúmplice por omissão, pois também corrupto, não acreditava que eles iriam se reeleger. Menosprezaram o “carisma etílico” de Lula.
O caso do tríplex, ridículo de várias maneiras, foi o que permitiu transformarem Lula em “preso político”. Todos sabemos que o tríplex é o de menos. Lula fez o que bem quis, achando que nunca seria pego. Aquele áudio do Eduardo Paes, debochando dos pedalinhos do sítio dele, é revelador do descaso com que a classe política trata a população.
E, escândalo após escândalo, o povo foi ficando enfurecido, tendo seu espírito instigado a liberar os demônios do ódio e da intolerância. O bolsonarismo é fruto disso. Todos os radicalismos acabam sendo “justificados”, pois ninguém aguenta mais tanta canalhice seguida.
Chocada e triste, sinto-me já numa guerra fria, com todas as bombas apontadas para nossas cabeças.
O Globo