Depois da onda conservadora que surpreendeu o país no primeiro turno das eleições, ninguém segura o otimismo do mercado. Na cabeça do investidor médio, Jair Bolsonaro (PSL) vai aprovar o que quiser no Congresso e salvará o país. O clima de torcida tomou contas das mesas de operações: juros caem e o real se valoriza.
Analistas respeitados encontram dificuldade para alertar seus clientes dos riscos de um governo Bolsonaro, que não são poucos. São tachados de “petistas” e espalham-se rumores de que buscam uma vaga num eventual governo de Fernando Haddad (PT).
E aqui não estamos nem falando dos riscos mais graves, que é o desrespeito ao direito das minorias, o aumento do desmatamento, a mistura entre ciência e religião nas escolas. Vamos nos concentrar apenas nos riscos econômicos.
A despeito do bom desempenho que o candidato terá nas urnas se as pesquisas de intenções de voto se confirmarem, ele não terá vida fácil quando subir a rampa do Palácio do Planalto. E seu primeiro desafio será o mesmo que atormenta os mandatários brasileiros há anos, só que dessa vez com premência maior dada a frágil situação fiscal: a reforma da Previdência.
Ainda não se sabe o que exatamente Bolsonaro propõe nessa área, já que ele evita falar de temas como déficit previdenciário ou idade mínima de aposentadoria. Seu guru econômico, Paulo Guedes, menciona apenas a adoção de um sistema de capitalização em cada um financiaria sua própria aposentadoria, sem detalhar como cobrir o rombo do modelo atual.
No entanto –supondo que os assessores mais próximos de Bolsonaro superem algumas convicções arraigadas de que a reforma da Previdência sequer é necessária, deem voltas e mais voltas, mas cheguem a conclusão que não dá para fugir muito do que foi proposto por Michel Temer–, o novo presidente terá forças para aprová-la? Há muitas dúvidas a esse respeito. É só fazer as contas.
Para se passar uma proposta de emenda constitucional como a reforma da Previdência, é preciso conquistar 308 votos ou dois terços do Congresso. O PSL saiu da condição de partido nanico para a segunda bancada da Câmara, com 52 representantes, mas ainda assim representa apenas 10% do total.
Bolsonaro enfrentará uma oposição estridente de 110 deputados formada pelos partidos de esquerda: PT, PSB, PSOL, PC do B, Rede. Logo, se quiser passar a reforma da Previdência, vai precisar do apoio do “centrão” (DEM, PP, PSD, PRB, Solidariedade) do MDB e até do PSDB. Muitos políticos já flertam com um governo Bolsonaro, mas, ninguém se engane, cobrarão sua fatura.
O candidato vem dizendo que reduzirá o número de ministérios e que não dividirá o poder em troca de apoio. Repete que vai governar com as bancadas –da bala, do agronegócio, etc– ignorando os líderes partidários. Será que isso é possível? Difícil acreditar.
E num exercício de futurologia, o que fará Bolsonaro no fim de 2019 se não aprovar a reforma da Previdência, o mercado se desencantar, e a recessão voltar? Vai jogar a população contra o Congresso, que estaria atrapalhando seus planos de resgate do país, e se apoiar nos militares?
“Os riscos de um governo Bolsonaro são absurdamente elevados. O mercado já se equivocou outras vezes e pode se enganar de novo, mas dessa vez o preço será muito alto. Não temos mais espaços para erros”, disse à coluna Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Folha