Preconceitos baseados em apreensões superficiais da democracia brasileira se espalham como fogo na serragem. Supõe-se que o presidente da República eleito no próximo dia 28 será um todo-poderoso capaz de mudar o curso das políticas públicas, das instituições e do comportamento social num estalar de dedos.
Daí brota o pânico do rival. A ameaça de um lado seria o “fascismo”. Do outro, o “comunismo”. As duas campanhas atiçam o surto de medo, pois lucram com ele.
Mas o fato, que ficará claro conforme o novo governo se desenvolva e a sóbria modorra do cotidiano prevaleça sobre a ansiedade, é que o presidente da República está mais limitado do que nunca sob esta Constituição.
A mandatária que atingiu picos de popularidade foi cassada por esta legislatura. Com Temerneutralizado, o Congresso aprendeu a partilhar o Poder Executivo, num tipo de semipresidencialismo cujo enraizamento não está descartado.
Superprerrogativas do Planalto, como a edição irrestrita de medidas provisórias, a execução arbitrária do Orçamento e as nomeações sem critérios para estatais, deixaram de existir. A governança da Petrobras foi reformada de modo a dificultar bastante a volta ao desmantelo que originou o petrolão.
Agreguem-se as reiteradas demonstrações de autonomia do Ministério Público, do Judiciário, da Polícia Federal e do Tribunal de Contas da União. Em outros corpos regulares nacionais, caso do Itamaraty, das Forças Armadas e da Receita Federal, cristaliza-se uma longa tradição de procedimentos estáveis e visões de mundo relativamente homogêneas.
A lista de constrangimentos ao poder presidencial ainda abrange a opinião pública pujante, a imprensa livre e fiscalizadora e fatores circunstanciais, como a crise fiscal que drena a tinta de sua caneta.
Ele não pode tudo. Pode cada vez menos. Daí virá a fonte provável de desgaste do próximo presidente perante seus eleitores.
Secretário de Redação da Folha, foi editor de Opinião. É mestre em sociologia pela USP.
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