As verbas secaram, o tempo encurtou, a tecnologia mudou, e a campanha eleitoral de 2018 se consolida como aquela em que a era dos marqueteiros-estrelas foi atropelada pelo “marketing zero”.
Líder nas intenções de voto, com 32%, segundo o Datafolha desta segunda (1º), Jair Bolsonaro (PSL) nem marqueteiro tem. Com tempo ínfimo na TV, o próprio candidato, seus filhos e o presidente do PSL, Gustavo Bebianno, decidem a estratégia de comunicação.
É uma campanha “amadora”, segundo o candidato a vice, Hamilton Mourão (PRTB).
O acesso dos eleitores a redes sociais ajuda a entender melhor essa mudança: 81% dos eleitores do capitão reformado têm acesso a elas, segundo o Datafolha, acima da média nacional (68%).
Entre os eleitores de Fernando Haddad (PT), só 59% acessam as redes. A parcela sobe a 72% entre os de Ciro Gomes (PDT), mas volta a ficar abaixo da média para Geraldo Alckmin (PSDB), com 53%, e Marina Silva (Rede), 60%.
A diferença é expressiva também no uso do WhatsApp, apontada por especialistas como a mais poderosa (e perigosa) rede social, por ser muito difícil de monitorar. Ataques a concorrentes e notícias falsas podem se disseminar com rapidez sem a possibilidade de direito de resposta ou reações.
São 79% os eleitores de Bolsonaro que usam o WhatsApp, e 40% compartilham por ali notícias sobre a eleição.
Entre seus principais concorrentes, o que chega mais perto é Ciro, com 71% dos eleitores —mas apenas 20% usam a rede para a política.
“Nunca o marketing foi tão insignificante. Não fez diferença nenhuma o tipo de profissional, sua capacidade ou estratégia”, diz o publicitário Bob Vieira da Costa, especialista em comunicação pública.
A questão não é apenas de plataforma, mas de conteúdo. Desde o começo do ano, pesquisas qualitativas mostravam descrença do eleitor nos políticos e nas promessas de governo. “Não é um processo comum, que um marqueteiro consegue corrigir.”
As pesquisas, segundo o publicitário, mostravam um eleitor à procura de “atitude”: “Uma demonstração mais eloquente de compromisso e disposição”. No diagnóstico de analistas e profissionais da área, há menos razão e mais emoção nesta eleição.
Há também menos espaço para erro numa campanha “de uma onda só”, em oposição às anteriores, de “duas ondas”. A duração caiu à metade —de 90 para 45 dias— e os comerciais na TV ocupam 35 dias, e não mais 45. É preciso definir logo o rumo e corrigir rotas muito rapidamente.
O tempo dos programas encolheu, e quase metade dos eleitores (49%) diz não ter interesse no horário eleitoral, segundo o Datafolha.
Mesmo as inserções publicitárias, apostas dos marqueteiros para atingir mais audiência, não têm correlação com as intenções de voto nestas eleições. Com apenas um comercial a cada três dias, Bolsonaro nunca teve menos que 20% das intenções de voto, enquanto Alckmin, com 12 inserções de 30 segundos por dia, não ultrapassou 10%.
“Não adianta ter tempo maior se não comunicar o que as pessoas esperam ouvir”, diz Vieira da Costa.
“Com o encolhimento da TV, o marketing volta a ter cinco pernas, e não apenas uma superatrofiada”, diz o consultor político Gaudêncio Torquato.
Segundo ele, nas campanhas passadas marqueteiros como João Santana e Duda Mendonça eram considerados tão ou mais importantes que os próprios candidatos.
“Faziam grandes produções com recursos cinematográficos, uma verdadeira mistificação. O candidato passava os dias dentro do estúdio.”
Os escândalos do mensalão e da Lava Jato arranharam a imagem da função, a ponto de quatro ex-marqueteiros ouvidos pela reportagem preferirem não ser identificados.
Regras de financiamento eleitoral aprovadas em 2017 ajudaram emagrecer a perna da comunicação, porque tornaram inviáveis superproduções e os salários pagos em eleições anteriores.
No máximo, cada candidato a presidente pode gastar no primeiro turno R$ 70 milhões —incluindo todas as atividades, como publicidade, aluguel, transporte, alimentação etc. É o equivalente ao que um único marqueteiro diz ter recebido em 2014: João Santana, responsável pela campanha de Dilma Rousseff (PT).
Os envolvidos neste ano não declaram valores, mas profissionais da área falam em honorários de cerca de R$ 1 milhão —menos de 2% do que ganhou Santana em 2014.
Avanços tecnológicos permitiram uma campanha mais barata. Em vez de equipes de TV com equipamento caro e cinco pessoas (repórter, cinegrafista, assistente de áudio, de luz e motorista), há campanhas feitas só com celular.
Desapareceram as longas temporadas em estúdios, com comida e bebida 24 horas por dia e centenas de pessoas.
Por outro lado, diz Torquato, cresce a relevância relativa das outras quatro pernas: a análise de pesquisas, o posicionamento do discurso, a elaboração de propostas e a articulação social e mobilização de massa.
Funções que antes eram segmentadas hoje se integraram. Filmes feitos nas ruas são usados na TV e nas redes sociais.
Analistas e concorrentes reconhecem o sucesso da estratégia de Bolsonaro na internet, mas afirmam que ela não deve ser superestimada. “Sem atitude, as redes ficam mornas, chochas. Ninguém vai se manifestar sobre aquilo que não mobiliza. Fica sem combustível”, diz Vieira da Costa.
Outros limites das redes sociais, segundo marqueteiros, é que elas são mais úteis para destruir que para construir e pregam para convertidos.
O segredo de Bolsonaro foi consolidar uma rede de apoiadores fora da internet. Como outras decisões da campanha, não foi um trabalho de profissional de marketing, mas do núcleo próximo do candidato.
Essa articulação no mundo real —com sindicatos e movimentos sociais— ajudou partidos como o PT e o PDT a ampliar sua bolha, dizem analistas.