A importância da delação de Antonio Palocci é que é o primeiro dentro do PT a falar, o que quebrou o pacto do silêncio, que na Itália se chama Omertá. Mas há dois problemas. Um é o da hora da divulgação, a uma semana de uma eleição muito disputada. Outro é o sinal dado pelo Ministério Público. O MP no Paraná foi exposto às mesmas informações, mas preferiu não fazer o acordo de colaboração porque considerou que havia dificuldades de ter provas de corroboração.
Enquanto isso, José Dirceu já deu vários sinais ameaçadores nos últimos dias. Não ganhou ainda a eleição, mas avisou que desta vez o que quer é “tomar o poder, que é diferente de ganhar eleição”. E depois disse que é preciso tirar o poder de investigação do Ministério Público porque a Lava-Jato foi um erro. O PT não precisa de inimigos, basta a si mesmo.
Este é o momento de atrair os milhões de não petistas, que podem considerar votar no partido olhando mais para a sua história, de políticas de inclusão, e na esperança de que a Lava-Jato tenha ensinado algo. O partido prefere manter a narrativa excludente, voltada apenas para o público interno. O condestável José Dirceu já avisa com quantas garras e dentes o PT se prepara. Com atos assim, eles falam para os true believers, os que sempre votarão no PT, mas não afastam os temores de quem neste momento reluta em votar em Fernando Haddad, apesar de considerar essa possibilidade. É esse eleitorado do centro que o partido deveria estar olhando.
Por outro lado, a divulgação da delação de Palocci em plena reta final da campanha é um ruído em momento muito conturbado. A delação traz informações do que Palocci tem dito, e tem sido rotina do juiz Sérgio Moro a abertura dos autos para dar mais transparência a todos os processos, mas a prudência talvez fosse melhor neste momento.
É, contudo, um novo alerta. A Petrobras foi atacada duramente durante o período petista. Os bilhões desviados, a sangria da política errada de preços e o desperdício dos recursos pelo investimento com orientação política, tudo isso precisa ser evitado. Seja qual for o governo, a Petrobras não pode mais ser usada politicamente. A empresa adotou nos últimos dois anos uma série de medidas de governança para tentar se proteger. Mas será suficiente?
Na delação, Palocci conta várias coisas difíceis de provar, ainda que sejam bem possíveis, como o estilo Lula de fingir ser um estrangeiro em seu próprio governo. Ele teria chamado Palocci em fevereiro de 2007 para perguntar, “bastante irritado”, se era verdade que Renato Duque e Paulo Roberto Costa estavam envolvidos em diversos crimes. E ainda perguntar quem era o responsável pela nomeação, no que Palocci teria respondido que era ele próprio, Lula.
No quinto ano governando o Brasil, depois do mensalão e do escândalo envolvendo o próprio Palocci, seria estranho esse diálogo. Não fosse o fato de que, como contou Palocci, Lula costumava fazer esse tipo de encenação para ver se o interlocutor aceitava a sua versão de que ele não sabia. Se nada soubesse àquela altura, seria, além do mais, um péssimo governante, aquele que nada viu, nada sabe. Papel que Lula gosta mesmo de interpretar quando é conveniente.
Na delação de Palocci ele fala de um contrato de SMS (de requisitos gerais de segurança, meio ambiente e saúde, existente em contratos de óleo e gás) firmado pela área internacional com a Odebrecht, de R$ 800 milhões, e que pagou 5% de propina. “Que o contrato, tamanha a ilicitude revestida nele, teve logo seu valor revisado de 800 para 300 milhões.” Neste caso específico, deve ser fácil encontrar provas de um contrato revisado para menos da metade do seu valor. Há outras afirmações mais difíceis de se confirmar, como a de que o então presidente Lula teria passado a ter sonhos “mirabolantes” após o pré-sal. Isso é adjetivo demais para ter valor numa colaboração. O ex-ministro Antonio Palocci também disse que, das mil medidas provisórias editadas nos quatro governos do PT, em pelo menos novecentas houve “traduções de emendas exóticas em propinas”. O assustador é que tudo parece verdade, mas uma delação assim será facilmente derrubada no Supremo por alguns dos ministros que no fundo concordam com José Dirceu que a “Lava-Jato foi um erro”. É por isso que a PF precisa levar Palocci a ir além das palavras.
O Globo