Na reta final, temos uma eleição de símbolos. Por Marco Aurélio Ruediger – Heron Cid
Bastidores

Na reta final, temos uma eleição de símbolos. Por Marco Aurélio Ruediger

25 de setembro de 2018 às 09h39 Por Heron Cid
Urna eletrônica utilizada para votação em Recife - (Foto: Diego Herculano/Folhapress)

Estamos entrando na reta final de uma eleição singular. A gênese dessa singularidade foi a falha da elite política em compreender as jornadas de junho de 2013. Uma oportunidade perdida, pois, se o momento galvanizava uma série de insatisfações acumuladas, também possibilitava um aprimoramento cívico substantivo. Para o establishment político, quase todo perplexo, era um inconveniente a ser superado, e não a se adequar. Pagou-se um preço.

Na ocasião, a esquerda, sob o PT, não soube aproveitar para avançar sua pauta buscando um aggiornamento programático e do campo progressista ao seu redor. Sentia-se confortável com o segmento conservador de sua coalizão. A centro-direita, sob o PSDB, também não o soube. Não entendeu isso à época e abriu a caixa de pandora do impeachment, soltando um predador. Achou que o prenderia novamente. Enganou-se.

O que não se percebeu foi que havia no ar então uma crença democrática na mudança, disputando com o sentimento de desilusão o protagonismo da vida política a se seguir. As redes na ocasião já refletiam e aceleravam a dinâmica das ruas, operando um universo mais complexo do que o captado nas pesquisas. O que ocorre hoje é equiparável a “town meetings” em tempo real, de milhões de microcontribuições, culturais e políticas. O indivíduo no Brasil ressurge pós-2013 como sujeito político ativo se mobilizando nas ruas, mas organizado e impulsionado pelas redes sociais.

Consolidou-se a percepção em parcela significativa da sociedade de que a representação de então seria obstáculo à mudança. Piora quando a politica submerge ainda mais no descrédito dos escândalos, das prisões e da crise econômica. Culmina-se o pós-eleição de 2014 em impeachment. Síntese desse processo, cristaliza-se uma narrativa de desconfiança nas instituições, na mídia e em atores políticos.

Da frustração profunda, emerge um niilismo corrosivo que se uniu a um discurso histórico revisionista e antistatus quo da direita. Esse discurso não vê a política e as instituições como mediadoras razoáveis para a vida cotidiana da forma como estão assentadas. Temáticas e questões programáticas complexas são traduzidas em signos linguísticos que envelopam escolhas extremamente conservadoras de forma eficaz para as redes. Daí a dificuldade do centro em estabelecer uma terceira via crível. A mensagem pragmática e objetiva de Alckmin tem baixa repercussão nas redes, pois a transmite em um modelo de ineficaz aderência, um “devenir vieux” (tornar-se velho) de política. Ciro, o terceiro colocado, tem seu melhor momento no ambiente virtual ao citar Beyoncé, quando criticou a carta ressentida de Temer para Dilma. Falha ao não ampliar essa envelopagem nas redes.

Haddad tem tido dificuldades em gerar confiança. Em números, as interações de Bolsonaro atingem a casa de duas dezenas de milhões no Facebook, enquanto as de Haddad ainda estão na metade disso. A ambiguidade de Haddad frente a temas da economia e sua busca por uma necessária, porém complexa, grande coalizão no segundo turno geram também fragilidades. No conjunto, tal estratégia reforça por reflexo a narrativa viral da direita do “nós contra todos os donos do poder” e de dúvida quanto às suas fórmulas de crescimento, em tempos já não tão alvissareiros.

Em suma, a estratégia da direita é eficaz nas redes e continuará a mesma, carregada de símbolos de desconstrução de um status quo supostamente obsoleto. Quanto à esquerda, como diria Churchill: “tão pouco tempo e tanto para fazer”. Ainda não há jogo jogado. Veremos.

Marco Aurelio Ruediger – É chefe da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV-DAPP)

Folha

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