No dia 6 de setembro, o deputado Jair Bolsonaro foi vítima de uma facada que quase lhe custou a vida. A única manifestação que cabe, diante desse ato de barbárie, é o repúdio mais veemente e o desejo de que ele se recupere plenamente, pelo ser humano que é, pela sua família e para que a campanha não seja privada do líder das pesquisas por um ato de violência.
Há situações extremas que às vezes podem fazer alguns indivíduos repensarem a vida. Na década de 90, Mauricio Macri sofreu um sequestro brutal, que o levou a ficar vários dias em uma espécie de caixão, à beira da asfixia. A família pagou o resgate, ele sobreviveu e iniciou anos depois uma trajetória que o levou à Presidência da Argentina. Outro caso, mais famoso, foi o de Nelson Mandela, que, após passar 27 anos preso, deixou o radicalismo de lado, perdoou seus algozes e permitiu ao país atravessar pacificamente a transição do fim do regime do apartheid. É natural que experiências como essas mudem uma pessoa. O cidadão Macri sequestrado por um grupo de bandidos era um. O que saiu do sequestro era outro. Outro ser humano, outro cidadão. Da mesma forma, um Mandela ingressou na prisão e a reflexão fez que ele deixasse certas posições na cela, quando um novo Mandela saiu dela, quase três décadas depois.
Analogamente, seria importante para o país, caso venha a vencer as eleições, que Bolsonaro reflita sobre o que lhe coube viver, para dele extrair benefícios, como pessoa e como político. No passado, ele emitiu opiniões chocantes, ainda que se alegue que foi como mera “figura de retórica”. Temos aqui um paradoxo. Não tenho a menor dúvida de que esse “jeito franco de ser” fez dele um fenômeno, porque há uma parte do eleitorado que simpatiza com esse estilo. Ao mesmo tempo, porém, também não tenho dúvida de que:
a) tais manifestações não são compatíveis com as regras da boa convivência numa sociedade;
b) se ele conservar essa postura, na sequência do atentado, pode ser eleito, mas não será um bom presidente da República.
E que fique claro: esta não é a manifestação de quem se opõe a muitas das mudanças que ele propõe. Pelo contrário: apoio várias ideias que seu assessor econômico defende — como a redução dos privilégios e do papel do Estado —, e é importante que o combate à violência seja alçado a prioridade — ainda que exista controvérsia acerca da melhor forma de implementá-lo. O ponto aqui é outro: superar as dificuldades dramáticas que vive o país envolve uma combinação delicada de firmeza e habilidade na construção de maiorias, próprias de um verdadeiro artesão da política. Firmeza porque, se em nome das dificuldades não aprovarmos reformas importantes, continuaremos a conviver com uma economia com crescimento raquítico e um desemprego elevado. Habilidade porque, passada a votação, o eleitor voltará para o seu dia a dia, e o presidente eleito ficará sozinho — e tendo que lidar com um Congresso de 25 partidos, sem cuja colaboração, numa democracia, nada funciona.
A agressão brutal de que foi vítima transformou Bolsonaro num mito em vida. Nesse contexto, o legítimo ato de seguir uma liderança pode se converter em fanatismo, ao mesmo tempo em que, mais do que nunca, o país precisa de diálogo e da procura de algum grau de consenso.
Se, em função do que lhe aconteceu, Jair Bolsonaro, agora alavancado nas pesquisas, vencer, o melhor que poderia acontecer para o país seria — assim como ocorreu com os outros exemplos antes citados de presidentes que mudaram sua atitude diante da vida — ele fazer da experiência um ato transformador e começar o discurso de posse com a mensagem de união de que será “o presidente de todos os brasileiros”. O tom de “nós versus eles” é próprio das disputas eleitorais, mas é nefasto para um país quando se conserva após o fechamento das urnas. Se for mantido, iremos viver tempos sombrios. O vencedor precisará pacificar os ânimos, porque, sem isso, será muito difícil administrar o país. O radicalismo já foi longe demais no Brasil. Chega.
O Globo