Se Jair Bolsonaro (PSL) ou Geraldo Alckmin (PSDB) vencer a disputa, sei quem vai liderar a oposição: o PT. E já é um lugar de poder. Essa batalha, o partido já ganhou. Agora há a outra. Se o vitorioso for o petista Fernando Haddad ou Ciro Gomes (PDT), quem comandará o campo adversário? A pergunta e a resposta expõem a miséria a que chegou a política brasileira.
Segundo dados da mais recente pesquisa Datafolha, Bolsonaro lidera a corrida no primeiro turno, com 28%. Empatados tecnicamente em segundo lugar estão Haddad, com 16%, e Ciro, com 13%. Alckmin segue com 9%. A disputa de 2014 recomenda cuidado com antevisões a duas semanas da disputa. Mas é razoável supor ao menos que o “capitão reformado” tem grande chance de estar na etapa final. E essa possibilidade basta para a fantasmagoria de que se vai tratar aqui.
Antes, uma pequena pausa. Notem que recorri no parágrafo anterior a uma expressão comum na imprensa. Para não repetir a palavra “Bolsonaro”, optei por “capitão reformado”. Os especialistas poderiam debater se estamos diante de uma perífrase ou de uma antonomásia (cabe pesquisa aos interessados). Do ponto de vista da política, trata-se apenas de uma disfunção.
Afinal, todos sabemos o que é um petista, um tucano, um peemedebista ou um democrata… Mas que diabos seria um “peesselista”? O PSL, a exemplo do PRN do Fernando Collor de 1989, só tem existência cartorial. À época, empregava-se “caçador de marajás” na segunda referência ao candidato porque não havia como escrever “peerrenista”. O resto da história é conhecido. Ou, no caso dos “moços, pobres moços”, tem de ser.
Se o “capitão reformado” vencer, já sabemos que o PT vai chefiar a oposição tenha o tamanho que tiver. O que eventualmente lhe faltar no Parlamento será compensado por sua inserção nos sindicatos e nos movimentos sociais.
Não será difícil arrebanhar apoio na sociedade porque o vitorioso, então, terá chegado lá com ou contra a rejeição de parcela considerável da população. Ademais, um fato: foi a Justiça que impediu Lula de voltar à Presidência, não o eleitor. Não se trata de um juízo de valor. Só um fato para quem gosta de fatos.
Como o bolsonarismo de internet está fascinado com a ideia da “guerrilha cultural”, ou da “contraguerrilha”, os opostos vão se alimentar e se neutralizar num período de instabilidade que promete ser longo. Paulo Guedes, o “Posto Ipiranga”, ficou claro, parece disposto a assombrar a seara acadêmica também na área econômica. Ele não conseguiu ensinar economia a Bolsonaro, mas Bolsonaro conseguiu lhe ensinar bolsonarices.
Pensemos um pouco mais. É claro que nossa perífrase ou antonomásia pode ser derrotada, não? Na simulação de segundo turno, o peesselista (!) aparece empatado com Fernando Haddad — ainda “Andrade” em muitos rincões —, com 41% das intenções de voto, e perderia para Ciro Gomes por 45% a 39%. Cabe a pergunta: numa eventual vitória da esquerda, quem vai chefiar a oposição?
Ainda que os estranhamentos entre ciristas e petistas sejam relevantes no primeiro turno —e, às vezes, até divertidos—, é razoável supor, qualquer que seja o vencedor desse campo ideológico, que é grande a possibilidade de haver uma composição entre PT e PDT.
Nota à margem: não estou aqui a decretar, porque 2014 não autoriza, que Alckmin está fora do jogo. Mas, também nesse caso, o PT será a vanguarda do “não”. Volto ao cenário de vitória da esquerda.
Bolsonaro não terá, se derrotado, condições políticas, intelectuais e partidárias de comandar a oposição. Ele o faria ancorado em quais pressupostos?
Para a segurança, um 38 na mão de cada brasileiro? Para a educação, uma escola em que moleque não seja estimulado a brincar de boneca? Para a economia… Bem, para a economia, não existirá, creio, nem mesmo o Guedes.
Quantos parlamentares o acompanharão na resistência democrática a um eventual governo de esquerda? A tarefa caberá, mais uma vez, ao PSDB — que, nessa hipótese, não terá nem tamanho nem força para um trabalho eficiente.
Nas democracias, quem perde vigia o poder. Vivemos um tempo em que, a depender do resultado, ao grande derrotado restará a irrelevância ou a arruaça. Como foi que chegamos a esse ponto?