A sabedoria popular ensina: a diferença do remédio para o veneno é a a dose. Nesse Brasil convulsionado, as doses para lá de exageradas facilmente confundem remédio e veneno, partir da combustão de pontos de vistas absolutistas e da substituição do diálogo pela força. Intolerância que vitimou o candidato Jair Bolsonaro, em pleno ato de campanha, num ataque vil, covarde e inaceitável.
A facada que quase mata Bolsonaro é o ápice do clima de beligerância instalado e fomentado no País, de parte à parte. Numa campanha marcada pelo extremismo não chega a ser surpreendente atos extremos, como o crime protagonizado por Adélio Bispo, provavelmente um lunático perturbado e contaminado pela falsa premissa de que fins justificam meios.
A eleição no Brasil já vinha dando sinais de cheiro de tragédia, alertara meses atrás o deputado Miro Teixeira. O fundamentalismo político é o traço mais característico da disputa estéril, histérica e improdutiva do “nós contra eles”. Poucos querem dialogar, quase todos querem atacar. As redes sociais estão aí para ilustrar.
E desse veneno, radicais de direita e de esquerda estão bebendo desde o prenúncio dessa campanha.
O PT com a radicalização contra adversários, instituições e ameaças de chamamento do “exército vermelho”. Movimentos fechando estradas e queimando pneus, militantes pichando e apedrejando veículos de comunicação, sem nenhum tipo de censura ou represália de líderes partidários.
Bolsonaristas considerando normal e até bonitinho o dedo indicador apontado, como “símbolo” de campanha, além da exortação à ‘metralhação’ e expulsão de petistas para a Venezuela, como fez o próprio candidato em discurso recente.
O que esperar quando os dois lados dessa moeda flertam com um estopim frequente e irresponsavelmente aceso? Caravanas de Lula metralhadas no Rio Grande do Sul. O líder das pesquisas esfaqueado em Minas Gerais.
O triste, chocante e repugnante episódio de ontem, véspera da Independência, mostra que o Brasil precisa refazer o caminho e se reencontrar com o bom senso, a razão, a tolerância e o diálogo de um povo pacifista por natureza, mas infelizmente entorpecido pelos discursos de tensionamento e ódio.
Nossa tradição em eleições é pacífica. Excetua-se um caso que envolve a Paraíba, o assassinato de João Pessoa, candidato derrotado a vice-presidente, homicídio que deflagrou o golpe político de 1930.
No mais, soubemos superar adversidades e conviver com contraditórios, até a conquista preciosa de estarmos vivendo três décadas de plena democracia. Uma evolução que não pode ser cuspida por frases de ódio e nem manchada de sangue por facas de vingança.
Pouco antes de morrer, em 1991, o advogado Sobral Pinto – emblemático na luta pelo Estado de Direito no Regime Militar – deixou um conselho aos mais moços: “Trabalhem, não na violência, trabalhem através da palavra, do raciocínio e do argumento”.
Décadas depois, sua mensagem é mais do que atual. Na democracia, o argumento e as ideias são a maior arma. O diálogo e o respeito são o único remédio em que se pode extravasar na dose.
A violência é veneno letal e sempre será burra. Por ela, alguém quis matar um candidato e pode ter ajudado a eleger um presidente.