Está em curso uma verdadeira caçada àquilo que os tontos e os oportunistas chamam “a política tradicional”. As ações de improbidade administrativa, por exemplo, se transformaram em meros instrumentos de perseguição política, aplicável quando o Ministério Público se dá conta de que inexistem evidências para uma ação penal.
Uma ação de improbidade, diga-se, motivada por supostas irregularidades numa ciclovia, transformou em réu Fernando Haddad, que vai substituir Lula na chapa petista que disputa a Presidência. JoãoDoria, do PSDB, candidato ao governo de São Paulo, já foi condenado em primeira instância em ação da mesma natureza —no caso, com perda dos direitos políticos. Teria associado sua imagem a um programa da prefeitura. A Justiça Eleitoral investiga se Geraldo Alckmin, presidenciável tucano, recorreu a dinheiro de caixa dois em campanhas passadas.
Até a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), que é um Deltan Dallagnol que fala bolsonarês, chegou a ser alvo de especulações. Afinal, em 2016, o STF inventou que réus não podem assumir a Presidência nem como interinos. Se é assim, pergunte-se: como um réu poderia se eleger presidente? A indagação faz sentido, sim! Ocorre que ela é a derivação lógica de um delírio do direito criativo.
Governos flagrados com a boca na botija costumam promover a aprovação de leis para “moralizar” a vida pública e acabam por colocar uma canga no pescoço da própria democracia.
A Lei da Improbidade Administrativa, por exemplo, foi sancionada por Fernando Collor no dia 2 de junho de 1992. Ele caiu no dia 2 de outubro. A Lei da Ficha Limpa, outra aberração, foi sancionada por Lula em 2010 — aquele mesmo Lula que ficou por um fio em 2005 por causa do mensalão. A Lei das Organizações Criminosas, que traz as diretrizes da delação premiada, com todas as suas escandalosas licenciosidades para quem decide ser o larápio dedo-duro com ambições redentoras, foi sancionada por Dilma Rousseff no dia 2 de agosto de 2013, depois das jornadas de junho daquele ano, que começaram a abrir a trilha do impeachment no segundo mandato. É ela que fez de Joesley Batista quase um herói. Edson Fachin ainda tenta salvar a honra do cavaleiro da picanha sem mácula.
Eis aí o Trio Ternura legal não da moralidade pública, mas da instabilidade, uma vez que permite toda sorte de abusos. Com essa trinca na mão, o Ministério Público e setores do Judiciário decidiram governar o país. E fizeram isso que está aí. Vou, sim, leitores, dizer em quem vocês têm de votar nas eleições de outubro para fortalecer a democracia, reforçar os fundamentos do sistema e arejar as virtudes da escolha direta dos governantes. Votem em pessoas elegíveis, investigadas ou não. Só em regimes fascistas a presunção de culpa solapa a presunção de inocência. Combater a corrupção é um dever de todas as pessoas de bem, não uma meta de governo. Quem toma uma coisa por outra é vigarista.
Pessoas como este escriba, que não foram aquinhoadas com imaginação arbitrariamente legiferante, veem dias um tanto sombrios. Um conservador é necessariamente pouco criativo em matéria legal e não confunde o combate às iniquidades com a agressão à institucionalidade democrática. Fascistoides de esquerda e de direita é que costumam agredir de forma sistemática o molde institucional em nome das urgências “do povo”, “da cidadania”, “da moralidade”… As expressões variam de acordo com o alinhamento ideológico do celerado.
Infelizmente, também a imprensa acabou tragada por esse surto de moralismo burro e irracionalidade que primeiro corta a cabeça do acusado para oferecer depois o direito de defesa. É o espírito desse tempo que permite que um fascistoide periférico assombre o processo político, agrida os fundamentos da sociedade livre que lhe franqueia a candidatura e faça tábula rasa dos princípios mais comezinhos da civilização.
Afinal, diz ele, “não sou corrupto; sou ficha limpa”.
No terreno da racionalidade, há respostas certas e erradas. No da irracionalidade, que está em curso, só existem as certas. E estão sempre erradas.