Na eleição presidencial de 2002, pela primeira vez na história recente do país, um candidato da extrema-direita chegou perto do poder na França. Com a esquerda dividida, como sempre, e com a reação crescente à invasão de imigrantes, como agora, só Jacques Chirac, disputando sua reeleição, teve mais votos do que Jean-Marie Le Pen, líder da Frente Nacional. Poucos votos mais. E foram os dois para um segundo turno em que uma vitória de Le Pen não parecia fora de propósito. Seu eleitorado — a França “profunda”, racista, antissemita, xenófoba, marginalizada pela globalização — continuava o mesmo e não mudaria seus conceitos e preconceitos — ou seu voto.
Mas aí a França acordou. Olhou em volta, esfregou os olhos, e disse a frase fatídica: “Pera aí um pouquinho”. Como se sabe, “pera aí um pouquinho” é a frase que tradicionalmente precede tomadas de consciência e epifanias. Nosso francês exemplar — digamos que se chame Pierre, para facilitar —, talvez um eleitor do Jospin, socialista, terceiro mais votado no primeiro turno, se deu conta de que, antes de mais nada, era preciso evitar que Le Pen se elegesse. Pierre poderia ser comunista, anarquista, zen budista, odiar o Chirac, não importava. Só um Chirac vencedor impediria que a França fosse governada por um fascista declarado.
Chirac cumpriu sua função histórica. Derrotou Le Pen de goleada no segundo turno e lavou a alma da França — ou, vá lá, deu uma esfregada até a eleição seguinte, do Sarkozy. Venceu porque, como o nosso Pierre, muita gente se uniu, não a favor dele, mas contra o Le Pen. Simpatizei com Chirac depois que me contaram que ele teve um caso com a Claudia Cardinale. Ter um caso com a Claudia Cardinale me parece recompensa justa pelo que Chirac fez pela França. Ele mereceu.
Pensando em votar em branco, votar no Ratinho ou anular o voto? Pera aí um pouquinho. Escolha o mais Chirac dos candidatos e vote nele. O Le Pen nós já temos.
O Globo