Bolsonaro se assusta com pergunta que lhe fiz em debate e vira arregão. Por Reinaldo Azevedo – Heron Cid
Bastidores

Bolsonaro se assusta com pergunta que lhe fiz em debate e vira arregão. Por Reinaldo Azevedo

23 de agosto de 2018 às 11h28 Por Heron Cid
magem do Glossário do livro “O País dos Petralhas I”, em que aparece a palavra “esquerdopata”, usurpada pelo bolsonarismo

A coisa não deixa de ter a sua graça. Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência da República, decidiu não mais participar dos debates. Aqui e ali se atribui tal decisão a uma altercação que teve com Marina Silva no debate havido na sexta passada na RedeTV! De fato, ele não se saiu bem. Muito pelo contrário. Mas o que levou o comando da campanha a afastá-lo do confronto com seus adversários foi outra coisa. E este jornalista tem tudo a ver com isso. Coube-me, em debate, fazer uma pergunta a Bolsonaro, com comentário de Ciro Gomes, do PDT. Indaguei então:
“Candidato, o Orçamento de 2017 foi da ordem de R$ 2,56 trilhões. Perto de 50%, talvez um pouco mais disso, são encargos da dívida: rolagem e uma parte de juros, que o Brasil não paga; o Brasil capitaliza juros, não está pagando. Que resposta o senhor tem para isso, ou isso, na sua opinião, não é um problema que diga respeito ao presidente da República?

Bolsonaro travou. Ficou patente que ele não tinha noção do que eu falava. A resposta o evidencia com clareza. Todos os itens que ele arrolou como medidas para equacionar o problema são alheios à questão.

Disse ele:
“Cabe, sim, ao presidente da República. São números absurdos. Os meus economistas dizem que tem solução, mas que será muito difícil atender a essa meta e… propostas: redução do tamanho do Estado; privatizações; abrir o comércio com o mundo todo; deixar de lado o viés ideológico; facilitar a vida de quem quer abrir uma empresa no Brasil, que é um sacrifício abrir empresa no Brasil — a quantidade de papéis é simplesmente absurda; diminuir os encargos trabalhistas; fazer com que empregados e patrões sejam amigos, e não inimigos, e deixemos de assistir a essa briga enorme nos tribunais tendo em vista a legislação, a CLT”.

Não junta lé com lé, cré com cré.

Param quem não viu, segue, abaixo, o vídeo. A pergunta e a resposta são encontráveis a partir de 57min17s.

A que conclusão chegaram seus estrategistas? Haveria o risco de a minha pergunta servir de padrão para os demais candidatos e também para outros jornalistas. Bolsonaro foi treinado para o embate ideológico de alta tensão e baixa potência intelectual; para acusar o suposto processo de comunização do Brasil — tanto é que o combate ao comunismo é um dos mantras de sua campanha —; para apontar a destruição da educação pela ideologia de gênero; para ligar, como faz em seu programa de governo, a epidemia de homicídios do país ao famigerado Foro de São Paulo. Como certas considerações nem erradas conseguem ser, o debate começa a ser travado na Terra do Nada. Afinal, quem é que vai defender o comunismo, o proselitismo gay em lugar de aula de matemática ou os delírios autoritários do Foro de São Paulo? A questão é saber se essas coisas todas guardam mesmo intimidade com os problemas do país.

Os jornalistas, em boa parte porque oriundos, com formação ou com militância de esquerda, ainda que oblíqua, vinham caindo como patinhos na sua armadilha. E ele triunfava sobranceiro. Fazer ao candidato uma pergunta sobre direitos humanos, por exemplo, corresponde a lhe dar a deixa para dizer que, entre a morte de um bandido e a de um policial, ele prefere a do bandido. Como se alguém escolhesse o contrário.

A pergunta que fiz e a resposta que ele deu se multiplicaram aos milhões nas redes sociais. Os memes começaram a correr com velocidade impressionante. Sim, ele perdeu o embate com Marina, mas teve a chance de censurá-la porque, disse, embora evangélica, seria defensora de um plebiscito sobre a legalização do aborto e das drogas. Perdeu no confronto, mas foi coisa circunstancial. Nessas águas, ele nada bem. Até porque não existe alternativa certa para o que nem errado consegue ser.

A decisão de não mais participar dos debates foi anunciada por Gustavo Bebianno, presidente em exercício do PSL. E de forma que me parece desrespeitosa com os outros candidatos, com os eleitores e com os promotores de debates — cujas regras são sempre negociadas com os candidatos. Afirmou ele:
“Os candidatos são todos ali personagens que têm supostas soluções milagrosas para o Brasil, como se fosse tudo muito fácil. E o deputado Bolsonaro tem uma outra posição. A posição dele não é apresentar soluções fáceis, mas novos direcionamentos para um Brasil, que está sofrendo com a esquerdopatia que está aí há mais de duas décadas, que está sofrendo com uma epidemia de assassinatos”.

Vejam que coisa: Bolsonaro resolveu fugir dos debates em razão de uma pergunta que lhe fiz — pergunta corriqueira quando dirigida a um candidato a presidente —, e seu porta-voz decide anunciar a decisão recorrendo a um vocábulo que eu inventei, como está consignado no blog e em livros: “esquerdopatia”. A esquerdopatia é uma patologia intelectual que deforma os dados da realidade em razão de uma ideologia de esquerda.

Bem, é preciso que fique claro que a adversária da equerdopatia não é a direitopatia, mas a democracia.

Bolsonaro é livre para decidir o que fazer. Mas, por óbvio, ele e seus representantes poderiam se esforçar minimamente para respeitar o trabalho de milhares de profissionais de imprensa que dão duro para oferecer aos telespectadores, ouvintes e internautas a chance de conhecer um pouco mais as ideias e propostas de quem pretende governar o Brasil. Os debates apenas revelam os candidatos. Se são bons ou ruins, sabidos ou ignorantes, educados ou malcriados, já o eram antes de o encontro acontecer.

Quanto aos termos que criei e que são malversados por aí, fazer o quê? Posso lamentar, mas é do jogo. O que escrevi está em arquivos e em livros — de um deles, publicado em 2008, extraio o fragmento de um glossário que ilustra este post. Não foi fácil combater o autoritarismo petista. Mas foi um treino e tanto. O liberalismo seguirá sendo o verdadeiro adversário dos fascismos de esquerda e de direita, que se igualam nos métodos.

O “esquerdopata”, como eu o defini, tem um ódio patológico da mídia. Assim como os “direitopatas” de Bolsonaro.

RedeTV

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