O PT inverte Shakespeare e inventa o método com loucura. Por Reinaldo Azevedo – Heron Cid
Bastidores

O PT inverte Shakespeare e inventa o método com loucura. Por Reinaldo Azevedo

10 de agosto de 2018 às 10h12 Por Heron Cid
Fernando Haddad e Gleisi Hoffmann acompanham pelo celular debate entre presidenciáveis nesta quinta-feira (9) - Diego Padgurschi/Folhapress

Ah, PT, quae te dementia cepit?” Parafraseio o poeta latino Virgílio na “Segunda Écloga”, embora a fala “Ah, Corydon, quae te dementia cepit?” seja reflexiva –isto é, o pastor Corydon pergunta a si mesmo: “Que loucura te pegou” ao se perceber apaixonado, não mais dono da própria vontade.

Por mais que alguns colegas analistas queiram ver método na decisão do PT de lançar o que a internet se diverte chamando de “candidatura tríplex”, não tenho como não saltar uns séculos, até Shakespeare, indo do lirismo condoído à tragédia, e inverter o sentido da frase de Polônio ao comentar as maluquices de Hamlet, aquele atraente destruidor de reinos. Fica assim a minha adaptação sobre a estratégia petista: “É método, mas tem loucura”.

Entrevistei nesta quinta Fernando Haddad em evento promovido por um banco de investimento. Ele é “candidato a vice” na chapa petista à Presidência, que terá Lula como titular, até que o TSE bata o martelo e declare a inelegibilidade do ex-presidente, com referendo certo do STF.

Fiz a Haddad a pergunta tão óbvia como necessária: é possível governar o país em nome de outra pessoa? É razoável um exercício terceirizado da Presidência, esteja o titular simbólico na cadeia ou no paraíso?

Como a idade e a independência me garantem a faculdade de dizer tudo, ainda que sob o preço de aborrecer as pessoas –não tendo o nariz de Voltaire, procuro ao menos o senso de pertinência impertinente–, observei, sim, que Lula foi condenado sem provas no processo do tríplex. Ruim para o Estado de Direito? Ruim. Mas há o mundo de fato. E o candidato já é Haddad, embora seja proibido reconhecê-lo nas hostes petistas.

Uma jornalista se apresentou antes do início do evento: “Sou da assessoria do presidente Lula”. Meu primeiro impulso foi indagar: “Ele já chegou?” Não o fiz porque seria um constrangimento inútil a quem, afinal, cumpria as exigências metódicas da loucura.

Haddad, professor universitário, tem uma fala suave. Estendeu-se um tanto sobre a impropriedade jurídica da condenação e exaltou o que considera a capacidade de diálogo do ex-presidente, sua habilidade em estabelecer consensos, sua tolerância com o contraditório, sua disposição para ouvir etc. Afirmou, no entanto, que Lula não é seu “oráculo” –espero que Gleisi Hoffmann não se zangue por isso…–, mas alguém cuja experiência deve servir de baliza.

Ok. Ocorre que, neste momento, há petistas que já estão se incomodando com o que consideram “excesso de exposição do vice”. Isso corresponderia a uma espécie de conformismo com a condenação de Lula.

O que me parece evidente, a esta altura, é que o PT atua para que a inelegibilidade de Lula, embora materializada, não esteja juridicamente definida até o início do horário eleitoral, no dia 31 deste mês.

Como o TSE tem até 17 de setembro para liquidar o assunto, o ex-presidente apareceria no horário eleitoral como o candidato do partido. Declarada a impossibilidade de sua candidatura, só então Haddad seria apresentado como o “Lula alternativo”. No melhor dos mundos para os metódicos da loucura, haveria três semanas para que se operasse a transferência de milhões de votos.

Ocorre que tal processo não se dará sem que se produzam catilinárias de lesa democracia contra a legitimidade de um pleito sem Lula. A um só tempo, os petistas estarão denunciando as eleições e lançando um nome para representar o demiurgo na aposta ensandecida de que ele poderá, da cadeia, governar o país. Mas notem! Esse é o cenário favorável ao PT.

A avalanche rumo a Haddad pode não acontecer. Nesse caso, cabe a pergunta: se uma eleição sem Lula padece, segundo a legenda, de um déficit de legitimidade, que pode ser minorado com a eventual eleição de um petista, o que fará o partido sem um nome seu no segundo turno?

A resiliente truculência fascistoide e burra, despertada pela banda “dark” da Lava Jato, bate à porta do regime democrático. E os loucos metódicos do PT parecem dispostos a convidá-la para uma dança de inimigos à beira do abismo.

“Ah, PT, quae te dementia cepit?”

Folha

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