O projeto de legalização do aborto na Argentina, aprovado pela Câmara, não conquistou a maioria dos votos dos 72 senadores argentinos. Foi recusado nesta madrugada por 38 votos a 31, com uma ausência e duas abstenções. E difícil saber onde a decepção é maior: se nos meios ditos “progressistas” do país vizinho ou entre os nossos militantes pró-legalização ou pró-descriminação. A propósito: entre nós, fazem questão de estabelecer a diferença entre uma coisa e outra, como se a descriminação pudesse ser algo mais suave do que a legalização. Trata-se, obviamente, de uma falácia. Fosse o caso de escolher uma coisa ou outra, a legalização seria preferível porque haveria, ao menos, regras, marcos, limites. A simples descriminação pode ser a porta aberta ara o vale-tudo. Não é crime comer um hambúrguer na rua. Quem o faz pode fazê-lo à sua maneira. Interromper uma gravidez há de ser algo mais complexo do que comer um hambúrguer…
Todos os que leem este blog conhecem a minha posição. Já a expressei também no rádio e na TV. Defendo a lei como está hoje — e sem aquela interferência do STF, que emendou por conta própria o Código Penal, que trata do assunto entre os Artigos 124 e 128 e só exclui o crime em caso de risco de morte da mãe ou gravidez decorrente do estupro. O tribunal acrescentou por conta própria os fetos anencéfalos. E não! Não acho que se deva submeter a questão a plebiscito porque rejeito a “plebiscitização” da democracia. Mas não vou me ater a esses aspectos agora. Quero chamar a atenção para outra coisa.
Assim que a Câmara dos Deputados da Argentina votou em favor da legalização do aborto, no dia 14 de junho, houve um verdadeiro frenesi entre os militantes brasileiros em favor da causa, a começar da esmagadora maioria da imprensa, ambiente em que se opor à interrupção voluntária da gravidez pode ser mais feio do que chutar a canela da mãe. Poucos atentaram para o fato de que, naquela Casa do Legislativo, a aprovação se deu por muito pouco: 129 votos a 125, com uma abstenção. Eram necessários 128. Como se vê, a coisa estava longe de ser um consenso. Não fosse a rejeição no Senado, a Argentina se juntaria à, se me permitem, esmagadora minoria de países da América Latina em que o aborto é legal: Cuba, Guiana e Uruguai. Na Nicarágua e em El Salvador, é proibido em qualquer caso. Nos demais países, a legislação é parecida com a do Brasil.
A pauta da imprensa brasileira foi imediatamente tomada pela militância pró-aborto. Tinha-se a impressão de que era uma urgência, que estava em todos cantos e todos os becos. Bem, a questão é falsa como nota de R$ 3. A esmagadora maioria da população continua a ser contrária a que o aborto deixe de ser crime. Pesquisa do Datafolha de janeiro deste ano indica que 57% opõem-se à mudança da legislação. Defendem a descriminação 36%. No Congresso, a proposta não seria aprovada.
E é exatamente nesse ponto que setores do Judiciário e das esquerdas, sob a liderança do ministro Roberto Barroso, tentam dar um passa-moleque na população e no Congresso. Na Argentina, ao menos, faz-se um debate institucionalmente honesto. Lá como cá, os defensores da legalização do aborto são identificados com causas progressistas, humanistas, civilizatórias, verdadeiramente iluministas. Os contrários são apontados como verdadeiros ogros do reacionarismo. Em alguma instância do pensamento definiu-se que eliminar um feto humano é uma prática que nos conduz a um mundo melhor, mais humano e mais justo. Mas volto ao ponto.
Na Argentina, ainda que com todas as distorções no debate, coube ao Congresso decidir. Não ocorreu a ninguém obter a legalização do aborto no tapetão da corte suprema do país, como se tenta fazer por aqui. O STF foi transformado num verdadeiro palco da militância abortista e no que chamo de um circo da agressão à ordem legal e à independência dos Poderes. Para registro e para que se não se diga que a rejeição à legalização do aborto foi uma obra dos homens do Senado da Argentina, cumpre destacar: 30 dos 72 senadores são mulheres: 14 votaram a favor; 14 votaram contra, uma senadora se ausentou, e outra se absteve.
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