Cada um tenha a opinião que quiser sobre o aborto em si, a descriminação ou mesmo a legalização. O ponto não é esse. O que há de fundamental a se destacar é o seguinte: ao tratar da questão e chamar para si a responsabilidade de tomar uma decisão a respeito, o STF está usurpando uma atribuição que é do Congresso Nacional. A porteira por onda passa esse boi pode permitir a passagem da boiada toda.
A matéria está prevista nos Artigos 124 a 128 do Código Penal. Exclui-se o crime apenas em duas circunstâncias: estupro e risco de morte da mãe. E a quem cumpre mudar tal código? Ao Congresso. Em 2012, no entanto, o pleno do Supremo avançou sobre a prerrogativa do Legislativo e emendou, sem emendar, a lei. Deixou de ser crime também o aborto de fetos ditos anencéfalos.
Em 2016, numa prática verdadeiramente assombrosa, a Primeira Turma do Tribunal, por iniciativa de Roberto Barroso, conhecido militante da causa pró-descriminação do aborto, decidiu que a interrupção da gravidez até a 12ª semana de gestação não é crime e depende exclusivamente da vontade da mulher. Atenção! O doutor estava apenas votando a concessão de habeas corpus para uma senhora que fora submetida a aborto e para o médico, que realizara o procedimento.
A decisão só valia para aquele caso, mas Barroso houve por bem seu proselitismo:
“Em verdade, a criminalização confere uma proteção deficiente aos direitos sexuais e reprodutivos, à autonomia, à integridade psíquica e física, e à saúde da mulher, com reflexos sobre a igualdade de gênero e impacto desproporcional sobre as mulheres mais pobres. Além disso, criminalizar a mulher que deseja abortar gera custos sociais e para o sistema de saúde, que decorrem da necessidade de a mulher se submeter a procedimentos inseguros, com aumento da morbidade e da letalidade”.
Muito bem! Desta feita, o que está em causa é um ADPF — Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental — que argumenta, em essência, que a proibição do aborto, presente no Código Penal, violaria garantias constitucionais. É esta, diga-se, a tese de Barroso. Bem, a ser assim, em nome da igualdade e dos direitos fundamentais, pode-se revogar qualquer lei no país. A ser assim, o Supremo se torna, com efeito, o Supremo Legislador. Venham cá: por que não se pode dizer, por exemplo, que as leis que garantem a propriedade ferem o princípio da igualdade e da dignidade humana, já que há tantos no país que não têm nada?
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