Numa sucessão marcada pela intoxicação ideológica, Marina Silva tenta se apresentar ao eleitor como uma opção sem pesticida. Prega a “união do país”. Abomina “bravatas” e “soluções mirabolantes”. Sem menções na Lava Jato, sustenta que “a lei é para todos”. Declara que “o centrão não pode substituir a população”. E conclui que a interrupção do ”retrocesso” é uma tarefa que, no processo eleitoral, está “entregue aos 200 milhões de brasileiros”
Numa entrevista à Globonews, Marina tirou o pó do discurso que exibiu nas duas campanhas anteriores. Ajustou a retórica às circunstâncias, sem alterar sua essência. Continua oferecendo esperança. O problema é que suas boas intenções não conseguiram convencer nem os correligionários que migraram da Rede para outras legendas, deixando-a falando sozinha.
“É parte da democracia”, alegou Marina, antes de engatar um tipo de raciocínio que faz lembrar a mixórdia argumentativa que impediu a ampliação de sua base eleitoral em 2014: “Eu acredito num partido-movimento. Não é necessariamente o partido, como já se pensou no passado, que vai homogeneizar, dominar a sociedade como um todo. Hoje, a ideia de partido está mudando no mundo.”
Na Rede, as divergências não são dissolvidas por meio do voto. Debate-se cada encrenca por tempo indefinido, até que a exaustão produza o que Marina chama de “consenso progressivo”. Na costura das alianças estaduais, faltou consenso. E os correligionários de Marina celebraram acordos regionais com legendas tóxicas.
Quem ouve as manifestações de Marina e observa o nanismo caótico da Rede, talvez fique tentado a perguntar para os seus botões: se a candidata virar presidente, como vai governar? “Com os melhores”, diz ela. Serão recrutados “nos partidos e na sociedade”. O diabo é que, na montagem da campanha, o poder de sedução de Marina não funcionou. Ela revive um paradoxo.
Sem os agrotóxicos do centrão, Marina apresenta-se ao eleitorado como farinha de outro pacote. Mas seu talento para o recrutamento dos “melhores” ainda lhe rendeu nenhum aliado. Por isso, dispõe de míseros 8 segundos no horário eleitoral. Tenta atenuar o nanismo eletrônico firmando uma parceria de última hora com o PV. Ofereceu o posto de vice ao amigo verde Eduardo Jorge.
Nas pesquisas, Marina enxerga Jair Bolsonaro no para-brisa. Atribui a liderança do rival ao fato de que “as pessoas estão indignadas e decepcionadas”. Desapontaram-se com a “centro-esquerda” petista e com a “centro-direita” tucana. “O primeiro grito é de indignação”, afirma Marina. Logo virá a “reflexão”, ela acredita, embalada pelo “debate de ideias e propostas.”
Para Marina, Bolsonaro esgrime “ideias retrogradas em relação à democracia, aos direitos humanos, à segurança pública e à gestão pública. São ideias avessas a tudo que já avançamos nesse país.”
“As pessoas vão começar a pensar”, declara Marina. Avalia que “não é razoável” o brasileiro “eleger um presidente da República, pagar mais de 34% de impostos para o Estado, para que o eleito diga depois ao cidadão: ‘Agora, defenda-se você, com sua família.’ Vai chegar um momento em que a sociedade vai parar para pensar e dizer: ‘Quero uma policia que funcione, tecnologia para investigar de forma efetiva, proteção das fronteiras para acabar com o tráfico de drogas e de armas. Não quero que os bandidos continuem governando de dentro dos presídios’.”
Ao apontar a falta de miolos do pedaço da sociedade que idolatra Bolsonaro, Marina estende o tapete para os órfãos de Lula e para os desalentados do centro. Seu discurso por vezes transita em cima do muro. Não vai revogar a reforma trabalhista. Mas planeja rever os “pontos draconianos.” Defende a reforma da Previdência. Contudo, esquiva-se de dizer qual seria a idade mínima para que mulheres e homens vistam o pijama. Pode segurar reajustes do funcionalismo, desde que a lâmina fiscal alcance também a mamata do Refis e os anabolizantes fiscais do empresariado.
Herdeira natural de parte do eleitorado de Lula, Marina referiu-se à prisão do ex-correligionário petista nos seguintes termos: “Eu acho que nenhum brasileiro fica feliz com um ex-presidente com a trajetória que ele teve e estar onde está. Mas a lei é para todos. E não se pode ter dois pesos e duas medidas. É triste o que está acontecendo? É. Mas é a lei e tem que ser cumprida.”
Na sucessão de 2014, Marina substituiu o presidenciável Eduardo Campos, que morreu num acidente aéreo. Cavalgando a estrutura do PSB e a coligação costurada pelo morto, ela chegou a ultrapassar Aécio Neves nas pesquisas. Quando abriu dez pontos sobre Dilma Rousseff nas simulações do segundo turno, foi moída no triturador de marketing que João Santana montou com verbas sujas da Odebrecht.
Nessa ocasião, Dilma ocupava no horário eleitoral um latifúndio de 12 minutos. Usando apenas uma fração desse tempo, o PT levou ao ar manipulações que Marina não conseguiu desmontar nos dois minutos de que dispunha. Agora, com uma vitrine eletrônica bem menor, a candidata da Rede está, novamente, espremida entre adversários.
Com um patrimônio presumido de 20 milhões de votos, Marina tenta polarizar com Bolsonaro e, simultaneamente, reza para não ser ultrapassada por Ciro Gomes, por Geraldo Alckmin ou pelo poste que Lula tentará eletrificar depois que for barrado pela Justiça Eleitoral. Não é uma tarefa simples. Na política, as coisas às vezes só melhoram quando os que se consideram bons exibem suficiente maldade para impor sua bondade. Sem pesticida é mais difícil.
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