Na semana em que um príncipe e um astronauta foram cotados para compor chapa presidencial, o historiador Luiz Felipe de Alencastro propôs uma ideia menos exótica: a extinção dos vices. Professor emérito da Sorbonne, ele considera que o cargo ficou “disfuncional” e se tornou uma ameaça à democracia. “A evolução recente das instituições brasileiras demonstrou a nocividade dos vices”, afirma, em ensaio publicado na revista Serrote.
No texto, Alencastro enumera crises e conspirações que envolvem vices desde 1961, quando os militares tentaram impedir a posse de João Goulart. “Com Michel Temer, a vice-presidência gerou um desastre político”, escreve. Ele lembra que o atual presidente assumiu o poder sem votos, depois de “complotar” contra a titular.
“Agindo contra o espírito e a letra da Constituição, Temer arvorou-se o direito de permanecer na vice-presidência depois que seu partido rompeu com o governo”, critica o historiador. Ele define o que veio a seguir como uma “afronta à soberania popular”. “Essa dupla traição, configurada pela derrubada da presidente e, na sequência, pela introdução de reformas políticas e econômicas contrárias ao programa votado pelos eleitores, caracteriza o impeachment e seus desdobramentos como um golpe parlamentar”.
O argumento do professor costuma ser contestado por brasileiros que, exercendo um direito inalienável, não gostavam da antecessora de Temer. Como eles voltarão à urna em outubro, cabe perguntar se desejam votar num liberal e eleger um comunista, ou escolher um tucano e levar uma raposa do centrão.
São exemplos reais, para não dizer prováveis. Dos últimos cinco vices, três (60%) vestiram a faixa por morte ou afastamento do titular. Para evitar novas reprises da novela, Alencastro propõe uma solução simples, inspirada na França: se a Presidência ficar desocupada, convocam-se novas eleições.
Além de estimular a conspiração, o sistema atual é uma usina de desperdícios. Para sustentá-lo, o contribuinte é obrigado a bancar 5.570 vice-prefeitos e 27 vice-governadores. Todos têm direito a nomear assessores e receber verbas indenizatórias. No Rio, o vice-governador Francisco Dornelles tem à disposição um séquito de 28 servidores e dois carros oficiais.
O professor Alencastro aponta outro exotismo brasileiro. Enquanto os presidentes americanos despacham de qualquer lugar do mundo, nossos vices vestem a faixa a cada vez que o titular viaja para o exterior. Na era da comunicação instantânea, a exigência parece tão obsoleta quanto um aparelho de telex.
Na terça-feira, Temer voou para o México e seus substitutos tiveram que fugir do país para não ficarem inelegíveis. O deputado Rodrigo Maia levou a família à Disney, e o senador Eunício Oliveira foi fazer compras em Miami. Ficou no Planalto a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal. A juíza nunca recebeu um voto, mas já assumiu a cadeira quatro vezes desde abril.