Todos os anos, a agência de pesquisa de opinião Gallup – respeitada por sua seriedade metodológica – produz um indicador do “sentimento de segurança individual” de um grande número de países. Por que medir o “sentimento” de segurança individual? Porque a experiência histórica revela um elevado grau de correlação entre ele e o desenvolvimento social e econômico dos países.
Quanto maior a segurança individual, maiores são os estímulos ao aumento do autoinvestimento para gozar o futuro: maior propensão à educação, à poupança etc. No nível macroeconômico, esse comportamento tende a ampliar os investimentos físicos do setor privado e a confiança no governo. Isso eleva os investimentos em infraestrutura, o que faz crescer a produtividade do conjunto.
Um alto nível de “segurança individual” é, assim, a plataforma que assegura a coesão social e a preliminar para que um Estado eficiente, constitucionalmente limitado, possa estimular o desenvolvimento econômico pela regulação de “mercados” competitivos. É isso que lhe fornecerá os recursos tributários para cumprir a sua missão de promover o equilíbrio social.
O indicador do Gallup tem o título de “Law and Order” e sintetiza as respostas a quatro perguntas: 1. Você confia na polícia? 2. Você se sente seguro ao sair à noite? 3. Nos últimos 12 meses, você ou um membro de sua família foi roubado? 4. Nos últimos 12 meses, você foi assaltado?
O Gallup “Law and Order” de 2018 foi construído com uma consulta em 142 países (uma amostra média de 1 mil por país), ranqueados de 1 (o mais seguro, Cingapura) a 142 (o menos seguro, Venezuela). O Brasil obteve o ranque 126 (no nono decil da distribuição), em companhia do Peru e da Mauritânia.
Essa falta de segurança, ou melhor, essa deficiência de “Lei e de Ordem” refere-se a um país onde, todos sabemos, o Poder Executivo perdeu o seu protagonismo, o Poder Legislativo assumiu o terrorismo de “pautas-bomba” inconstitucionais (porque ignoram a contrapartida de receita) e o Judiciário deixou-se levar na confusão. O resultado foi a paulatina dissolução do mínimo de tolerância, sem o qual a sociedade perde a sua coesão e se põe em risco a democracia.
As últimas semanas revelaram uma espécie de esquizofrenia coletiva na qual as ações se dissociam da lógica comum para submeter-se a outros valores. O Executivo, a despeito das dramáticas advertências do ilustre ministro da Fazenda, o excelente economista Eduardo Guardia, fez concessões para negociar o “mal menor” que desabará sobre o presidente a ser eleito.
Um cuidadoso e inteligente trabalho do senador Dalirio Beber (PSDB-SC) na relatoria da Lei de Diretrizes Orçamentárias foi sabotado por seu próprio partido (o PSDB aderiu, oportunisticamente, à irresponsabilidade fiscal). Talvez dê possibilidade de resistência do próximo governo às maluquices fiscais do Congresso Nacional, se ele estiver disposto a cooptar o necessário apoio político para enfrentá-lo. Devemos lembrar que até o STF fez pedido e foi atendido na LDO, mas os apelos do governo à sua base, não!
Uma observação ainda imprecisa sobre a estimativa de gastos aprovados na Câmara Federal sem contrapartida de receitas mostra que devem atingir mais de 65 bilhões de reais, quase dois terços dos quais relativos a uma teratológica “compensação financeira aos estados pela desoneração do ICMS sobre as exportações de produtos agrícolas”, resultado do corporativismo rural, que é eficiente, em parte, pelo permanente apoio do Estado à pesquisa e à comercialização dos seus produtos, mas que não se cansa de empurrar sobre a sociedade os seus custos, como o Funrural.
O outro terço refere-se ao inacreditável perdão dado aos caminhoneiros (de fato, às empresas do setor que fizeram o locaute) e ao escandaloso subsídio ao setor de refrigerantes.
Integrou-se a essa imensa confusão o Judiciário com liminares de todas as instâncias, desde a primeira até o Supremo Tribunal Federal. Estimulado por uma decisão solitária de um ministro do STF, um juiz de primeira instância embargou uma ação preparatória contra um edital de estudo da privatização da Eletrobras pelo BNDES. A Justiça não está impedindo a privatização da Eletrobras. Está impedindo que se pense sobre ela! Isso não tem como terminar bem…