“Os ingleses detestam coalizões”, afirmou o premiê conservador britânico Disraeli (1804-1881). Mas a afirmação mais contundente é de Willy Brandt, ex-premiê alemão (1969 a 1974), em relação à “Grande Coalizão”, o acordo entre social-democratas e democratas cristãos que o antecedeu: “soa como ato sexual pervertido”.
Não arriscaria conjecturas sobre o que Brandt diria em relação às alianças que estão sendo forjadas para as eleições presidenciais.
A rejeição a coalizões faz parte de uma forte tradição para a qual o melhor desenho institucional é o modelo de Westminster, cujas bases são o parlamentarismo e o voto em distritos uninominais, o qual produz o bipartidarismo.
Para seus defensores, este modelo produz governos responsáveis perante o parlamento, com clareza de responsabilidade, “identificabilidade”, e accountability: o eleitor sabe a quem culpar se algo der errado, quem está no comando, e a queda do gabinete é automática na ausência de apoio parlamentar.
Entretanto, os governos de coalizão são atualmente a forma modal de arranjo governativo: quase 80% dos países parlamentaristas e 52% dos presidencialistas têm coalizões multipartidárias.
Fica para outra coluna a discussão das patologias do modelo de Westminster. Interessa-nos aqui apenas um ponto: o quase consenso histórico em torno deste modelo inverteu-se. O arranjo que caracterizaria a boa governança para a maioria dos especialistas desde a década de 1970 é o chamado modelo consensual de democracia, representado pelos países escandinavos e por Holanda, Bélgica, Alemanha, Áustria.
Seu pilar são as coalizões multipartidárias, viabilizadas pela adoção da representação proporcional. Para seus defensores, produz mais inclusividade, representatividade, e estabilidade. Na ciência política, inúmeros trabalhos quantitativos produziram evidências sustentando a superioridade do modelo consensual no que se refere a resultados sociais, fiscais e econômicos.
O Brasil tem um formato institucional híbrido que combina elementos de ambos os modelos, mas com forte componente consensual, como mostrou o cientista político Octávio Amorim (FGV-RJ).
Por que as coalizões perverteram-se em arranjos degenerados? A hiperinclusividade do sistema institucional explica parte do problema. Contudo, a chave é a fraqueza histórica das instituições de controle. Seu fortalecimento nas duas últimas décadas implodiu o sistema. Na realidade, controles fortes são precondição ao seu funcionamento.
Na agenda de reformas, é preciso cuidado para não jogar fora o bebê com a água do banho.
*Marcus André Melo – Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Folha