A morte da estudante brasileira despertou o Itamaraty para a escalada autoritária na Nicarágua. Falta saber quando a ficha vai cair para o PT, que continua a fechar os olhos para os desmandos do governo Daniel Ortega.
Em abril, as forças oficiais começaram uma repressão feroz aos protestos contra o presidente. A onda de violência já deixou ao menos 290 mortos. Há quem confunda a carnificina com uma resistência heroica ao imperialismo.
Na semana passada, a secretária de Relações Internacionais do PT, Monica Valente, saiu em defesa do velho companheiro. Em Havana, ela exaltou como “exemplo de luta” a “resistência às tentativas de desestabilização da Nicarágua”.
Não foi por falta de alerta. Desde o início da crise, vozes que festejaram a Revolução Sandinista levantam-se contra a guinada de Ortega. Elas afirmam que o ex-guerrilheiro, um dos líderes do movimento de 1979, é cada vez mais parecido com o ditador que ajudou a derrubar.
O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, conhecido pelas críticas ao neoliberalismo, condenou o presidente por sufocar a oposição para se perpetuar no poder. “Por que é que boa parte da esquerda latino-americana e mundial manteve (e continua a manter) o mesmo silêncio cúmplice?”, questionou.
No Uruguai, o ex-presidente Pepe Mujica pediu a renúncia de Ortega. “Sinto que algo que foi um sonho se desvia, cai na autocracia”, disse. “Aqueles que ontem foram revolucionários perderam o sentido da vida. Há momentos em que é preciso dizer: ‘vou embora’”, cobrou.
Por aqui, o teólogo Leonardo Boff manifestou sua decepção com “um governo que está perseguindo, sequestrando e assassinando seus próprios compatriotas”. “A Nicarágua necessita de diálogo, mas, antes de tudo, necessita de que as forças repressivas parem de matar”, escreveu.
Em vez de se render aos fatos, o PT prefere questionar se os nicaraguenses que estão levando tiros da polícia fazem parte de um “fenômeno espontâneo”.
Não é o único exemplo da miopia do partido. No discurso de Havana, Monica Valente também elogiou a “rotunda vitória” de Nicolás Maduro nas eleições da Venezuela, manchadas por denúncias de fraude e pelo boicote da oposição.