Em época de eleição, candidatos mentem ou simplificam situações complexas. Em 1990, Collor iria derrotar a inflação com um tiro, em 1998, Fernando Henrique adiou o ajuste do câmbio, em 2014, Dilma Rousseff negou que o país estivesse entrando em recessão. Quem diz agora que será fácil resolver a crise fiscal e retomar o crescimento sustentado está vendendo gato por lebre.
Em 1990, o tiro de Collor saiu pela culatra e atingiu o país inteiro. Com o plano do sequestro da poupança, houve uma recessão de 11 trimestres, e a economia precisou de sete trimestres para voltar ao ponto em que estava em 1989, como mostrou a reportagem de ontem de Cássia Almeida neste jornal. Em 1998, Fernando Henrique adiou o ajuste do câmbio que explodiu em 1999. Em 2014, Dilma em todas as entrevistas negava a crise, explicava que os “indicadores antecedentes” mostravam que a economia não estava em crise, como fez no Jornal Nacional. Que nada! Os erros que ela cometeu durante o primeiro mandato estavam cobrando a conta já em 2014. Os números vieram depois, mas os sinais eram visíveis e uma propaganda cara, e paga com dinheiro sujo aos marqueteiros João Santana e Monica Moura, criou o biombo que enganou milhões.
Era o começo da mais longa das nossas recessões. Olhando o passado, dos nove períodos recessivos desde 1980, só dois têm o tamanho do que entramos no último ano eleitoral. A recessão da crise da dívida nos anos 1980, nos estertores do regime militar, e a do Plano Collor. A atual consumirá ao todo, segundo a FGV, que fez o estudo citado na reportagem, 16 trimestres na lenta caminhada de volta ao ponto de partida, ou seja, ao começo de 2014.
A mentira de 2014 não criou antídotos no Brasil e enganos já estão sendo distribuídos aos eleitores. A versão muda conforme a conveniência de cada grupo. Entender o passado só é importante para preparar a cura do presente. O país saiu oficialmente da recessão em 2017 mas está prisioneiro do baixo crescimento e das expectativas cadentes.
Há um conjunto de motivos para explicar a lentidão da retomada. Na saída da recessão do Collor, havia uma proposta eficiente de reorganização da economia no governo Itamar, com o Plano Real. Em 1998-1999, a recessão derrubou o PIB, mas a taxa anual continuou levemente positiva (0,3% e 0,5%) e o país estava com superávit primário. Desta vez, o governo Michel Temer conseguiu administrar o país por um ano, mas em maio de 2017, com a delação de Joesley Batista, ele perdeu o rumo. Hoje ainda tem uma equipe econômica séria, mas no Congresso tem perdido todas as batalhas fiscais.
A crise tem camadas: o desajuste fiscal é grave demais e não foi revertido, a base parlamentar está aprofundando o buraco das contas, a greve do setor de transporte de carga abateu o pouco de melhora no índice de confiança de empresários, está havendo um aumento dos juros de longo prazo e do risco-país, o desemprego é alto demais e trava o consumo das famílias. A arrecadação vinha aumentando este ano todos os meses, mesmo quando se desconta as receitas extraordinárias, como o Refis, mas a melhora é insuficiente. Quando se olha para o futuro não há razões para se confiar na superação da crise.
O cientista político Carlos Mello, em entrevista publicada ontem no jornal, enumerou as vezes em que os economistas erraram na análise recente, quando previram o fim da crise. Não há mais espaço para o autoengano. A crise é grave. O buraco fiscal no qual o país caiu exigirá, como disse o secretário do Tesouro, Mansueto de Almeida, em entrevista que me concedeu, um ajuste de 4% do PIB. E vários candidatos, mesmo quando falam em ajuste e mudança da trajetória de crescimento da dívida, apresentam soluções mágicas. Nenhum dos nossos problemas é simples ou terá solução fácil.
Os candidatos seguirão sua natureza de culpar o adversário, simplificar o complexo e prometer a virada rápida caso sejam eleitos. Mas a dolorosa verdade é que reorganizar a economia brasileira, para sair da crise fiscal e retomar o crescimento com geração de emprego, é um trabalho difícil e vai levar anos. Dependendo de quem for eleito, o que pode acontecer é o país afundar ainda mais na crise que ainda não superamos.
O Globo