Enquanto o país atônito assistiu à “comédia judicial”, como Sepúlveda Pertence, ex-ministro do Supremo, batizou o imbróglio em torno da soltura do ex-presidente Lula, na cozinha do STF, o ministro Luiz Fux preparava um trem da alegria: incorporar o auxílio-moradia nos salários dos magistrados.
Em janeiro, a Folha revelou que o juiz Marcelo Bretas e sua esposa recebiam em duplicata o benefício. Logo se viu que o escândalo não era pessoal, mas coletivo. Ele era auferido por 98% dos magistrados (cerca de 18 mil), graças a uma liminar de Fux que, em 2014, o estendeu a todo o Judiciário.
Tendo ou não casa própria, nenhum juiz deveria obter esse auxílio, de R$ 4.378. Apenas funcionários deslocados temporariamente, a serviço, para fora do local de moradia deveriam recebê-lo. Não é o caso dos juízes, que residem onde trabalham.
Foi Sergio Moro, o paladino da Lava Jato, que deu o recado da “classe”. O benefício é, na verdade, uma forma disfarçada, um jeitinho, de aumentar irregularmente o salário, que ele julga insuficiente, desrespeitando a Constituição, que estabeleceu um teto para o funcionalismo, fixado em R$ 33,7 mil.
Insuficiente? Em 2016, a remuneração média dos magistrados foi de R$ 47,7 mil, incluídos o auxílio-moradia e outros penduricalhos recebidos como verba indenizatória, isentos de imposto de renda. Equivale a 21 vezes o salário médio do brasileiro e fica 42% acima do teto.
A farra não para aí. Os magistrados têm 195 dias de folga, entre recesso, férias, feriados, pontes e fins de semana. Trabalham só 47% dos dias do ano. Têm direito a 60 dias de férias, que podem “ser vendidas”. Sua redução para 30 dias traria uma economia anual de R$ 1,15 bilhão, segundo a Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara Federal.
Já o fim do auxílio-moradia resultaria em uma economia anual de R$ 1,6 bilhão. Mas o STF demora em decidir sua extinção. O julgamento da sua legalidade havia sido agendada para março, mas Fux o retirou da pauta e determinou sua discussão, sob sigilo, na Câmara de Conciliação da AGU.
Sem acordo, a questão voltou para o STF com a escandalosa proposta de incorporar o auxílio-moradia nos salários dos magistrados, o que terá um efeito cascata, beneficiando integrantes do Ministério Público Federal e dos estados, do TCU, dos TCEs e do Legislativo, com forte impacto orçamentário.
Frente à crise fiscal, perda de renda e aumento da pobreza, isso é inaceitável. Urge extinguir o auxílio-moradia e reduzir as férias dos magistrados.
Do contrário, quem poderá acreditar que o Judiciário —cujos membros se mobilizam para defender seus benefícios ilegais— será capaz de combater a corrupção e os ilícitos no país?