O que a Segunda Turma do Supremo fez de tão formidável nesta terça, gerando comoção entre desinformados e idiotas? Apenas cumpriu a lei num ambiente, a própria corte suprema, em que isso se tornou uma raridade e um exotismo, o que, infelizmente, conta com o apoio considerável de parte da imprensa e de certo colunismo que se diverte em ser porta-voz do que considera ser a linha-dura do Supremo e do Ministério Público Federal. Chamo a atenção dos senhores leitores para um aspecto: observem que os justificadores contumazes de prisões e negativas de habeas corpus nunca citam a lei em que se amparam para defender determinadas medidas. Opinam sem analisar. Na verdade, fazem política.
Os casos de Gleisi Hoffmann, com a anulação de mandado de busca em apreensão em sua casa, e de José Dirceu e João Cláudio Genu, que receberam habeas corpus de ofício, são emblemáticos. Tratarei aqui de Dirceu e Genu. Até quando, já condenados em segunda instância, continuarão em liberdade? É o que se vai ver. A concessão dos habeas corpus de ofício está sendo tratada como se fosse uma aberração. Não é. O que me deixa espantado é que, na maioria dos casos, mesmo os veículos da imprensa profissional, que têm compromisso com a informação objetiva, não explicam o que aconteceu. Dias Toffoli era o relator de duas Reclamações impetradas pelas respectivas defesas. O que é uma “Reclamação”. Ocorre quando se cobra que a Corte preserve a sua autoridade e faça valer as suas decisões, que estariam sendo desrespeitadas.
Na questão de fundo, de mérito, Dias Toffoli disse “não” às duas Reclamações. A defesa de Dirceu alegava que a aplicação da pena depois da condenação em segunda instância feria o princípio da presunção de inocência previsto na Constituição. O ministro lembrou que o próprio STF havia decidido que tal antecipação é possível. Portanto, não há na prisão desrespeito nenhum a uma deliberação do tribunal. Mas Toffoli foi sensível a um outro e importante argumento da defesa: a dosimetria da pena. O petista foi condenado por Sérgio Moro, em 2017, a 20 anos e 10 meses de prisão por organização criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O TRF-4 majorou a pena para 30 anos e nove meses.
Muito bem. A defesa argumentou, e é fato, que os crimes pelos quais Dirceu foi condenado foram cometidos antes da aprovação da lei 12.234, de 2010, que aumentou os prazos prescricionais. À época, o réu, que nasceu em 1946, já tinha 70 anos, o que derruba o tempo da prescrição à metade. O crime de corrupção passiva prescreve em 12 anos — no caso de Dirceu, pois, em seis. Assim, por essa conta, o crime de corrupção — um dos três pelo qual foi acusado — estava prescrito à época da condenação. A defesa também apontou o chamado “bis in idem” — duas imputações por uma só ação — nas condenações de corrupção passiva e lavagem.
Notem: Dias Toffoli não está concordando nem com esses argumentos da defesa. Ele os considera plausíveis apenas. Leiam seu voto. Está aqui. E propôs a concessão de um habeas corpus de ofício a Dirceu — concedido pelo próprio tribunal — até que o STJ julgue, então, a questão e examine a postulação dos defensores. Por quê? Porque, se aquela corte superior concordar com a defesa, a pena de Dirceu será substancialmente reduzida. Descontando-se o tempo em que ficou em prisão preventiva — de agosto de 2015 até maio de 2017 —, pode haver mudança no regime inicial de cumprimento da pena. O que há de estranho, esquisito, ilegal, ou excepcional nessa decisão? Resposta: nada!
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