As novas limusines. Por Merval Pereira – Heron Cid
Bastidores

As novas limusines. Por Merval Pereira

26 de junho de 2018 às 10h08 Por Heron Cid

Uma das faces mais visíveis da Rússia da era Putin é a ostentação de seus novos ricos. Principalmente em Moscou, onde o Brasil joga amanhã no último compromisso da fase de grupos da Copa do Mundo, uma das cidades do planeta com maior número de bilionários. A única vez em que estive em Moscou foi em julho de 1989, a União Soviética ainda existia, mas já havia sinais de deterioração.

Em 1985 Mikail Gorbachev, secretário geral do comitê central do Partido Comunista da União Soviética, reconhecendo que a economia estava estagnada, começou uma série de reformas que tinham apoio especialmente na Liga dos Jovens Comunistas, e incomodavam os conservadores do Partido Comunista.

Os termos glasnost, significando abertura, transparência, e perestroika, reconstrução, ganharam o mundo. Não duraria mais que dois anos. No fim daquele ano, em novembro, cairia o Muro de Berlim, sinalizando que estava prestes a ruir o império que Winston Churchill classificou para a História como “cortina de ferro”.
Nas ruas, dava para notar os olhares de desprezo, ou raiva, do povo quando passavam os carros pretos com autoridades. A primeira limusine soviética, a Zil-111, tinha interior luxuoso, e até vidros elétricos. Havia os conversíveis, e os Chaika, versão mais modesta que podia ser alugada para festas, principalmente casamentos.

Usadas para transportar membros do Politburo, órgão máximo do governo soviético, as limusines eram objeto de desejo e repulsa da população. Hoje, as ruas estão cheias de carros importados, 45% de todos os veículos no país.

O primeiro modelo a ser montado na URSS foi o VAZ-2101, uma versão soviética do Fiat 124. Popular, provocou um aumento na produção de automóveis no país. Com os anos, o modelo foi sendo aperfeiçoado dentro dos padrões soviéticos, e chegou a ser exportado. No Brasil foi muito popular nos anos Collor, rebatizado como Lada Laika, em homenagem â cachorrinha, primeiro ser vivo colocado em órbita, símbolo do avanço soviético na exploração espacial, um dos primeiros carros chegados ao país depois de liberada a importação, antes proibida sob o argumento de proteger a indústria nacional. No caso dos automóveis, “umas carroças” como definiu o presidente então eleito.

Hoje, trata-se de uma antiguidade, mal se vê um Lada rodando em Moscou ou São Petersburgo, a não ser um modelo usado para táxis. Nas cidades do interior, como a Rostov onde o Brasil jogou sua primeira partida na Copa do Mundo, ainda é possível vê-los em ação, mas em geral, os russos preferem as marcas estrangeiras.

Atualmente, a Rússia possui linhas de montagem da Toyota, Nissan, Ford, Renault, Mazda, Hyundai e outras empresas globais. Os modelos estrangeiros mais populares são o Hyundai Solaris, Ford Focus e Kia Rio, segundo informações oficiais. Mas é normal ver-se nas largas avenidas de Moscou e São Petersburgo, à noite, quando o trânsito permite, a exibição de motores possantes dos Ferrari ou Porsche dos novos ricos. Mas agora os olhares são de admiração, não de desprezo.

O mercado russo, que conta com 250 carros a cada mil habitantes – contra os 750 carros a cada mil habitantes nos EUA – ainda tem muito a crescer, em que pese a queda do poder aquisitivo nos últimos anos. Durante o período soviético, a espera por um carro podia demorar anos, a produção nacional não atendia a demanda total do país, e as importações eram proibidas. Hoje Moscou registra os piores engarrafamentos do mundo.

Uma exemplar demonstração do que foi a transformação da Rússia desde o czarismo até o capitalismo de Putin é o shopping center GUM, construção do final do século XIX que mantém as iniciais russas do tempo dos czares e depois da era comunista, mas com sentido inverso.

O que era estatal virou o magazine universal principal. Mandado construir com requintes arquitetônicos, como o teto envidraçado assemelhado aos de estações de trens inglesas, foi estatizado após a Revolução de 1917 e transformou-se em um grande armazém popular.

Com o fim da era soviética, o deteriorado prédio em frente à Praça Vermelha foi privatizado. Hoje pertencente à família Bosco, distribuidor russo de produtos de luxo e dono de butiques, que assumiu o controle em 2005, o GUM é exemplar da ostentação dos novos ricos russos, concentração de marcas globais luxuosas que resume a Rússia moderna. Eleito para um novo mandato que o fará completar 25 anos de poder, Putin tem o apoio maciço da população, especialmente entre os jovens que, de 18 e 24 anos, com seus iPhones de última geração ou a sensação de segurança e estabilidade, sem maiores angústias existenciais, lhe dão 87% de aprovação.

O Globo

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