SAMARA (Rússia) — Machismo é machismo em qualquer lugar do mundo. Mas numa língua desconhecida é pior. Porque você não entende as piadas, as risadas e até coloca em dúvida se é com você. Mas toda mulher sabe quando é com ela. Na recepção do hotel de Samara, pergunto algo sobre a estreia da Rússia, a expectativa deles, se vão ver na Fan Fest e um hóspede se intromete. Em inglês difícil de entender, quer saber de onde sou e se oferece para me acompanhar até lá. Digo que já estou a caminho, a trabalho. Em russo, fala alguma gracinha. O recepcionista dá um sorriso sem graça, e a outra recepcionista dá um fora – não sei o que disse, claro — e se mostra constrangida. É óbvio que foi um comentário machista.
Afinal, uma mulher sozinha pelo mundo ainda espanta. Uma mulher sozinha pelo mundo e trabalhando num ambiente dominado por homens espanta muito mais. De mochila nas costas, crachá no pescoço, laptop a postos e celular na mão em busca de histórias, deveria ser mais uma entre tantos credenciados. Mas não sou. Sou uma minoria cujo espanto agora é meu. Num centro de imprensa com centenas de lugares posso contar nos dedos quantas jornalistas estão presentes. Não chegam a 10 na entrevista coletiva da Espanha. Não à toa a sala de imprensa do estádio do CSKA sequer tinha banheiro feminino.
Aos homens pode parecer besteira. Ou apenas olhares sem maldade. Mas nós sabemos o quanto opressor pode ser. E dessa opressão, muitas vezes, surge o medo. Como na chegada ao hotel de Togliati, quando o segurança, que tentou se comunicar comigo pelo google tradutor, me acompanhou até meu quarto. Entre corredores infinitos, escadas e elevadores seguimos sozinhos até o 512 num hotel que parecia abandonado. Ele abriu a porta e entrou. Queria me mostrar o quarto, os números de telefones da recepção, informar horário. Fiquei sob o portal, sem coragem de entrar. Certeza que estava só querendo me ajudar, mas o machismo, muitas vezes, nos impede de relaxar. Nunca de trabalhar.
O Globo