As críticas dos petistas e aliados à utilização das Forças Armadas em situações como essa da greve dos caminhoneiros não valem seu valor de face. No episódio do impeachment da então presidente Dilma Roussef houve consultas informais ao Exército sobre a possibilidade de decretação do Estado de Emergência no país, reveladas pelo próprio Comandante do Exército, General Villas Boas.
Assim como naquela ocasião o Exército rejeitou a sugestão, que claramente visava impedir o impeachment através de uma intervenção militar capitaneada por uma presidente petista, hoje também o General Villas Boas foi curto e grosso ao comentar a possibilidade de uma intervenção militar no país, reivindicada por grupelhos da direita. Disse ele:(…) “existem “tresloucados” ou “malucos” civis que, vira e mexe, batem à sua porta (do Exército) cobrando intervenção no caos político. Eu respondo com o artigo 142 da Constituição. Está tudo ali. Ponto”.
O que está ali escrito é que as Forças Armadas são subordinadas ao presidente da República e “(…) destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.” Na visão de Villas Boas, o presidente Temer “talvez por ser professor de Direito Constitucional, demonstra um respeito às instituições de Estado que os governos anteriores não tinham. A ex-presidente Dilma, por exemplo, tinha apreço pelo trabalho das pessoas da instituição, mas é diferente”.
O General Sérgio Etchegoyen, do Gabinete de Segurança Institucional, disse em uma entrevista que “acha ótimo” ser perguntado sobre possibilidade de intervenção militar. “(…) Meu farol está muito mais potente do que o retrovisor. (…) (este) é um assunto do século passado. Mas ainda existem algumas pessoas que acham que essa alternativa é possível. Precisamos saber o porquê, para sabermos onde erramos.”
O general Joaquim Silva e Luna, ministro da Defesa, admitiu que se incomoda com os apelos de parte dos caminhoneiros: “Porque podem dar a impressão de que as Forças Armadas estão por trás de uma insuflação, o que não é verdade. Além disso, intervenção militar é inconstitucional. O caminho do acesso ao poder é pelo voto. É o único caminho.”
Na sua avaliação, “(…)as Forças Armadas estão vacinadas, não pretendem isso, não buscam isso e de maneira nenhuma trabalham para isso. Posso lhe garantir que os oficiais e generais da ativa afastam essa possibilidade, repudiam esse tipo de manifestação. É lógico que as Forças Armadas se sentem lisonjeadas pela credibilidade que essas faixas demonstram, mas têm plena consciência de que esse não é o caminho. O caminho são as eleições que vão acontecer”.
A ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, abriu a sessão de ontem citando o “grave momento” político e social pelo qual passa o país. Ressaltou que a democracia “é o único caminho legítimo” para buscar as soluções dos problemas. Poderia citar aqui vários outros depoimentos de militares e civis, em entrevistas ou discursos no plenário da Câmara e do Senado, de repúdio à minoria que clama por uma intervenção militar. A crise é séria, a ponto de questões como essa serem debatidas abertamente.
É a volta das “vivandeiras” de que falava o Marechal Castelo Branco antes de aceitar a prorrogação de seu mandato na ditadura militar de 64, referindo-se aos políticos que procuravam militares para incentivar uma intervenção. Os apelos vêm dos dois lados. À direita, os que querem de volta uma ditadura militar, na pressuposição de que os militares são a salvação nacional, o que já sabemos, e pelo visto eles também sabem, que não são. À esquerda, querem tumulto político, até mesmo com a intervenção militar, na crença nada ingênua de que uma crise política que levasse à renúncia de Temer poderia antecipar a eleição presidencial e, quebrada a institucionalidade, até mesmo a libertação de Lula para candidatar-se. Mas o fato de os militares responsáveis pela condução das Forças Armadas virem a público rejeitar esses assédios demonstra que, apesar da desmoralização dos políticos e do próprio governo do presidente Temer, prevalece a ideia de que mais democracia é a solução para as crises, e não menos.
O Globo