O PT está certo em manter a candidatura Lula. A correção dessa tese se deve a alguns motivos: cabe ao Judiciário, arbitrário e persecutório, excluir Lula das eleições e não ao seu partido. Seria faltar com o dever da lealdade o PT excluí-lo. Ademais, se o Judiciário (incluindo a Justiça Eleitoral) é golpista, como de fato o é, é preciso confrontá-lo, tensionar o seu arbítrio até o limite. Manter a candidatura Lula representa uma tática correta para pressionar pela sua liberdade. Por fim, existe uma possibilidade, embora remota, que se consiga manter o registro da candidatura e o nome de Lula na urna eletrônica, fator que poderia representar a sua libertação e a vitória eleitoral e um estancamento da destruição do Brasil.
Mas a arte da política não é igual a uma soma matemática. A política é cheia de paradoxos, onde os pares antinômicos trocam a todo o momento de posições. O PT erra quando mantém a candidatura Lula a seco, sem ocupar espaços políticos e eleitorais no presente e sem construir uma alternativa diante da possibilidade de insucesso da manutenção e do registro da candidatura de Lula. Essa construção implicaria que se indicasse um candidato a vice desde já para que ele ocupasse os referidos espaços e apresentasse o programa do que Lula fará no governo, potencializando a luta pela sua liberdade e pressionando o Judiciário. Os políticos prudentes são aqueles capazes de antecipar o advento das adversidades futuras e de agir no presente ou para evitá-las ou para reduzir os seus efeitos danosos. E são aqueles que sabem medir as consequências de cada decisão e de cada ato político, adotando providências em relação a elas.
A direção do PT não vem sabendo conduzir o partido, a militância, os simpatizantes e os seus eleitores. Ela vem fomentando a tese despolitizada do Lula ou nada. Esta tese significa o seguinte: caminhar com Lula até o fim, mesmo que ele esteja excluído das eleições pelo Judiciário, o que equivale dizer que se a candidatura Lula for legalmente inviável será transformada numa anti-candidatura. Anti-candidatura é abstencionismo eleitoral, ao menos para as eleições presidenciais.
Se a anti-candidatura é uma opção, a direção do partido precisa anunciá-la para que os candidatos a outros cargos, a militância e os eleitores se preparem para esta situação e não sejam pegos de surpresa. E se esta é a opção, a prudência recomenda que se indague quais seriam as suas consequências. Uma das consequências previsíveis seria a despotencialização eleitoral do partido, com um aumento das dificuldades para eleger deputados, senadores e governadores. O PT não poderia ocupar o espaço de TV e rádio destinado à propaganda presidencial. Deixaria, inclusive, de ocupar esse espaço para denunciar o golpe, defender a liberdade de Lula, um programa para o país etc.
A palavra de ordem “Lula ou nada”, estimulada por setores da direção do PT vem gerando uma militância despolitizada, sectária, religiosa, agressiva, assemelhada à militância radical de direita, cujo único argumento é a ofensa contra aqueles que não concordam com ela. A partir de uma senha “Ciro não passa no PT nem com reza brava”, essa militância, incluindo alguns analistas, se dedica mais a atacar Ciro Gomes do que a atacar o governo, a direita, Bolsonaro, o PSDB e o centrão. Parte dessa militância volta também seu sectarismo contra Guilherme Boulos e Manuela D’Ávila, sugerindo que fazem o jogo da direita ou que são esquerdistas inconsequentes, cobrando uma coerência que passa longe do próprio PT.
Essa arrogância tacanha e irresponsável pode comover ânimos desolados e ressentidos, mas pouco ajuda a tarefa de defender a democracia, combater o golpe e enfrentar os neofascistas. Que direito têm essa arrogância de cobrar coerência dos outros? Ou o PT não se aliou a uma horda de partidos golpistas, com Michel Temer à frente? Ou o PT não está se aliando, agora, em 15 ou 16 estados, com partidos golpistas, a exemplo do PSD, PPS, MDB, PRB, PP etc.? As direções petistas têm seus motivos para fazer essas alianças, mas não se pode cobrar coerência dos outros quando não se tem coerência em casa. Critica-se Ciro por querer colocar um empresário como vice na chapa. Mas Lula não teve José Alencar, um dos maiores empresários do país? O que há de pior do que Temer?
A manutenção da candidatura Lula até o fim ou até uma decisão da Justiça Eleitoral deve implicar na consciência de que o PT caminhará sozinho nessa empreitada, mesmo que venha substituir Lula na reta final da campanha. É uma escolha que precisa ser respeitada, assim como precisam ser respeitadas as candidaturas de Ciro, Boulos e Manuela. É preciso respeitar essas candidaturas em nome da coerência, da responsabilidade e da ética, pois o campo progressista precisa fortalecer a frente democrática na luta contra o golpe e contra o fascismo, criando a perspectiva da unidade no segundo turno.
Quem coloca os interesses do povo acima dos interesses partidários precisa entender que o campo progressista não deve sair enfraquecido nas urnas, pois isto representaria o aprofundamento do caráter anti-social e anti-nacional do golpe. Atacar os candidatos do campo progressista significa fazer o jogo do conservadorismo, um jogo contra os interesses do povo. Cabe perguntar: o PT deve estar a serviço do povo ou de si mesmo? O sacrifício de Lula, preso injustamente, deve ser instrumento de luta a serviço do povo ou a serviço da cúpula do PT? A direção do PT não tem o direito de interditar o debate legítimo interno em nome de um argumento constrangedor: “quem quer debater alternativas é traidor de Lula”. A luta pela liberdade de Lula não pode ser instrumentalizada para fins dos conflitos e dos interesses internos o PT.
Lula vinha fazendo críticas autocrítica dos erros do PT desde 2014. José Dirceu, dois dias antes de ser preso novamente, fez autocrítica em entrevista à Rede Brasil Atual. Mesmo que parcial, foi uma autocrítica significativa. Não é possível que os mandarins da burocracia partidária continuem olímpicos no pedestal da arrogância, distribuindo éditos e sentenças condenatórias contra aliados, estimulando o destempero agressor daqueles que não têm argumentos.
Setores petistas, visando sobreviver politicamente, agora criaram uma nova tática ilusionista: radicalismo verbal na exigência da liberdade de Lula e inconsequência e imobilidade na prática. Ou não é verdade que desde a condenação de Lula em 25 de janeiro até sua prisão, em 7 de abril, não houve nenhuma mobilização significativa para defender o presidente? Ou não é verdade que desde a prisão de Lula, excetuando-se o ato de São Bernardo e a vigília em Curitiba, não há uma mobilização para a libertação de Lula? Parecem acreditar numa luz mística salvadora: os 35% das intenções de voto no presidente. Mas para que essas intenções se tornem algo concreto é preciso superar impasses terríveis e fazer mediações corretas com a realidade para que as intenções de voto não sejam apenas ilusões a fugir entre os dedos. Causa estupefação que os argentinos se manifestem nas praças pedindo a libertação de Lula e que no Brasil não aconteça nada parecido.
Os militantes e simpatizantes do PT precisam encarar a realidade, a verdade efetiva das coisas: 1) o PT não tem força para mobilizar milhões de pessoas para exigir e possibilitar a libertação de Lula; 2) o Judiciário não libertará Lula antes das eleições e é improvável que o liberte no curto prazo; 3) em que pese existirem brechas jurídicas, é improvável que o TSE aceite a inscrição da candidatura Lula, mesmo que sub judice. A tática do PT precisa responder e indicar caminhos a essas questões ou será uma tática que vende ilusões para comprar derrotas.
Brasil 247