Lula teria entre 30% e 35% do eleitorado no primeiro turno. Se disputasse o segundo, venceria todos os seus adversários, raspando nos 50%. Não será candidato porque o seu nome não passaria pelo crivo da Justiça Eleitoral. São esses números que levam o partido a fazer tantas besteiras e alguns de seus próceres a dizer barbaridades, indicando que, com efeito, não extraíram lição nenhuma dos desastres que colheram a legenda.
Em entrevista à BBC, a ex-presidente Dilma falou algo que até faz sentido. Afirmou ela: “Preso ou solto, condenado ou absolvido, Lula será necessariamente uma presença na reconstrução do Brasil”. Vá lá. Relevo a palavra “reconstrução”, que está fora do lugar. O Brasil ainda não está destruído, o que não quer dizer que não possamos chegar lá.
Sim, alguém que, depois de tudo o que colheu Lula, ainda seria (re)eleito presidente, bem, é fora dúvida que tem papel garantido nos eventos políticos. Acontece que essa mesma Dilma, refletindo certamente a qualidade do debate interno de seu partido, resolveu fazer de Lula e dela própria vítimas das mesmas forças que deram o golpe de 1964. Assim, um dos seus alvos e de seus companheiros é o governo Temer, que tem uma popularidade muito inferior a seu mérito. Quem levou o país ao abismo foi a entrevistada. Foi ela que fez as escolhas que resultaram na maior recessão da história do país. E, como é sabido, só caiu por isso. Foram os desastres da economia que a impediram de conservar ao menos um terço da Câmara e um terço do Senado. Com eles, não teria caído.
Chega a ser impressionante que a cúpula do PT dê mostras de não entender o que está em curso, como se o partido, na disputa de 2018, tivesse de bater de frente com o governo Temer. Infelizmente para o Brasil, isso não é verdade. Nem a imprensa, que deveria ser especializada em política e economia ao menos, reconhece os óbvios méritos da gestão.
Essa incompreensão do que está em curso, de que se faz necessário enfrentar o ódio à política e aos políticos; de que é preciso recuperar o prestígio das instituições; de que a vida pública se tornou refém de milagreiros, bem, essa ignorância fundamental pode, sim, custar muito caro ao futuro. Goste-se ou não, a legenda dialoga com setores da sociedade a que outros partidos e entidades não chegam.
Mas essa é a hora em que o Lula da conciliação, do qual Dilma chega até a falar, teria de entrar em ação. Mas ele está envenenado pelos eventos que o colheram. Por enquanto, aferra-se à ideia de que tem de provar a sua inocência e de que o caminho para isso é a disputa eleitoral, o que é de uma tolice espantosa. Não é possível que ninguém no partido tenha tido a clareza de dizer a Lula que esse é um discurso que colabora para mantê-lo em cana.
Claro, claro. Podemos todos fazer de conta que o PT é irrelevante e que a realidade brasileira segue adiante, pouco importando as escolhas do partido. Infelizmente para todos nós, isso não é verdade. Acontece que os petistas não conseguem enxergar a realidade fora dos pobres parâmetros do que entende por luta de classes — como se o que estivesse em curso, ora veja, fosse obra dessa da tal “classe dominante”, da “elite”. A ex-presidente vocalizou essa bobagem, falando ao entrevistador Shaun Ley. Disse ela sobre a sua própria deposição:
“Você acha não acha que houve um golpe no Brasil, eu acho que houve. E eu tenho mais experiência de golpe que o senhor. Eu vivi um golpe da ditadura militar dentro de uma prisão. Eu sei a capacidade da elite brasileira de ser golpista. Há um processo no Brasil, e ele tem que ser interrompido pelo bem dos brasileiros”.
Ligar o movimento de 1964 ao impeachment não é matéria de opinião. Trata-se apenas de uma aberração. De resto, seria de se indagar: o PT que foi flagrado de braços dados com empreiteiros era o partido que combatia as elites ou era aquele que cobrava um pedágio dessas mesmas elites para lotear o Estado? Foi no exercício da luta classes que a legenda foi derrubada ou, ao contrário, foram as relações incestuosas que vieram à luz que ajudaram na sua deposição?
Todos sabemos que Dilma não teria caído se o país estivesse crescendo 3% ou 4%, com desemprego baixo, inflação sob controle e juros comportados. Mas vínhamos de dois anos de uma brutal recessão, com o desemprego em disparada, a inflação a 10%, e o juros, a 14,25%. Tudo isso num mar de escândalos. Chega a ser acintoso que alguém que tenha chegado duas vezes à Presidência da República se saia com uma tolice dessa envergadura. A história que ela conta de sua deposição é tão falsa quanto a sua adesão pregressa à democracia. Na ditadura, ela pertenceu a grupos terroristas que queriam uma ditadura comunista no país. E por que conseguiu chegar à Presidência? Ora, porque aquela Dilma e seus parceiros de ideologia estavam errados. Segundo eles, os esquerdistas não conquistariam o trono por intermédio das urnas; só pela luta revolucionária.
As elites brasileiras foram, isto sim, tolerantes com o PT — parte delas, é verdade, porque estava cuidando apenas dos próprios interesses. Afinal, Lula foi um verdadeiro pai para alguns potentados da economia, que encontraram nele mais do que um interlocutor.
Enquanto o PT não perceber que o ambiente se tornou hostil à política e aos políticos, independentemente de sua coloração, e que isso está muito longe de ser um fenômeno de classe, continuará a fazer bobagem, e seus próceres continuarão a expelir besteiras.
Ocorre que, para compreendê-lo, seria preciso que a legenda tivesse um outro entendimento da democracia, E, como se nota, não tem. Seus ditos “intelectuais” estão por aí, a apontar o suposto desmanche de conquistas sociais que teria sido implementado pelo governo Temer, o que é uma mentira estúpida, na esperança de que consigam reavivar aquele “nós” contra “eles” de tão antigos e já mortos carnavais.
O “nós”, hoje em dia, são as pessoas boas. E o “eles”, os políticos.
Quem vê o adversário errado trava a batalha errada.
RedeTV