Ernesto Geisel, de general bonzinho a assassino consciente. Por Ricardo Noblat – Heron Cid
Bastidores

Ernesto Geisel, de general bonzinho a assassino consciente. Por Ricardo Noblat

11 de maio de 2018 às 09h05 Por Heron Cid
Ernesto Geisel (Carlos Namba/VEJA)

A História havia sido benevolente até agora com o general Ernesto Geisel, o quarto presidente da ditadura militar que governou o país entre 15 de março de 1974 e 14 de março de 1979. Sabia-se que ele fora conivente com a tortura, o assassinato e o desaparecimento de corpos de presos políticos.

Mas graças a ele a tigrada foi pouco a pouco sendo posta sob freio curto, e afinal teve início o processo de abertura política lenta e gradual conduzido por Geisel que culminaria com a eleição em janeiro de 1985 do primeiro presidente civil e o restabelecimento da democracia eclipsada há 21 anos.

Um memorando do ex-diretor da CIA William Egan Colby em 11 de abril de 1974 endereçado ao então Secretário de Estado dos Estados Unidos Henry Kissinger deixa claro que Geisel foi muito mais do que apenas tolerante com os crimes cometidos por seus colegas de farda. Ele sabia e autorizou muitos deles.

Descoberto pelo pesquisador de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas Matias Spektor entre documentos recentemente liberados para publicação pelo governo americano, o memorando descreve um encontro em 30 de março de 1974 entre Geisel e um grupo de generais.

Estavam presentes Milton Tavares de Souza, chefe de saída do Centro de Inteligência do Exército, e Confúcio Danton de Paula Avelino, chefe de chegada. E mais o general João Baptista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Inteligência (SNI), que mais tarde seria escolhido por Geisel para sucedê-lo.

A reunião serviu para que Tavares de Souza informasse a Geisel sobre a execução sumária de 104 pessoas feita pelo Centro de Inteligência do Exército até ali. E para que Figueiredo recomendasse a manutenção de tal política. Geisel pediu alguns dias para pensar. Depois deu seu aval, mas com uma ressalva.

Doravante, sempre que se prendesse algum opositor do regime que devesse ser eliminado, Figueiredo deveria ser consultado a respeito. Seria dele a última palavra, segundo contou Colby em seu memorando. A sede do Centro de Informações do Exército funcionava no Rio. Mudou-se com Geisel para Brasília.

O livro “A Ditadura derrotada”, do jornalista Elio Gaspari, está repleto de fatos que incriminam Geisel e os chefes militares da época com a tortura e o assassinato de presos. Faltava talvez o carimbo oficial de algum organismo de informação ou de espionagem. Não falta mais. A CIA assinou embaixo.

A tortura e o assassinato de opositores do regime foi política de Estado enquanto durou a ditadura militar de 64. Tais práticas são consideradas crimes contra a humanidade, segundo tratados internacionais assinados pelo Brasil. Por serem assim, simplesmente não estão cobertas por anistia alguma.

Países da América Latina, mas não só, que passaram por ditaduras muito mais atrozes julgaram e condenaram os responsáveis por elas. A Argentina é um exemplo. Aqui se fez de conta que a violação dos direitos humanos foi obra de subalternos enlouquecidos e fora de controle. Não foi.

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