Não tenho dúvida de que a culpa pelo incêndio e desabamento do prédio de 24 andares, no Centro de São Paulo, é do capitalismo, do neoliberalismo, do regime de exclusão, do golpe dado em Dilma, do Geraldo Alckmin (agora Marcelo França), do João Doria (agora Bruno Covas), do Michel Temer, da civilização ocidental, da chegada dos portugueses à Bahia, da expansão mercantilista, que acabou criando as condições para isso, do domínio do homem sobre a natureza… No fim das contas, se Prometeu não tivesse roubado o fogo e dado aos homens, não teria havido o incêndio.
Como se nota, os únicos inocentes desde Prometeu acorrentado são os invasores e, claro!, aqueles que os lideram.
Os discursos hipócritas vão se multiplicando. O poder público, nas suas várias esferas, falhou? Não tivesse falhado, não teria havido nem invasão nem incêndio. É um dado da realidade. A questão é saber, se me permitem, se esse “poder pode poder”. E a resposta, obviamente, é não. As autoridades chamadas a falar sobre o assunto, como se nota, já saem na defensiva.
Ah, precisamos de uma reforma urbana!
Ah, é preciso repovoar o Centro!
Ah, faltam políticas públicas de moradia — embora, como é óbvio, o país jamais tenha tido um programa tão robusto de construção de casas populares. Sim, mas não há recursos o bastante para o tamanho do gigante. E é certo que não se vai resolver o problema da pobreza garantindo, de saída e de uma vez, moradia a todos os que dela precisam.
O que quero dizer com isso? O poder público precisa melhorar as suas respostas às demandas que estão dadas? Precisa, sim! Mas também precisa ter a autoridade — com o respaldo da sociedade — para fazer o que tem de ser feito para garantir a saúde dos invasores e dos não-invasores. Para garantir, enfim, a salubridade da cidade.
Esse prédio já tinha sofrido uma invasão e já havia passado por uma reintegração de posse. Foi invadido novamente. Movimentos organizados com claro viés político e ideológico fazem disso uma profissão. E, sim, é verdade, como denunciou o prefeito Bruno Covas, que grupos ligados ao crime organizado acabam se aproveitando da situação.
Essa ocupação não era do MTST, liderado por Guilherme Boulos, o poeta da truculência. Ele se apressou em deixar isso claro, mas, como é de seu costume, saiu apontando o dedo contra adversários políticos. Os valentes que comandavam a invasão é um tal LMD (Luta por Moradia Digna). Impossível saber com quem falar.
Uma coisa é certa: ninguém morava lá de graça. Pessoas desalojadas exibiam recibos de R$ 300, R$ 400… Quem arrecadava? Com que propósito?
É evidente que as invasões a prédios públicos e privados não podem ser toleradas. Sim, por óbvio, elas têm correlação com o déficit habitacional, mas inexiste uma relação de causa e efeito. O que se tem é a exploração política das carências, com a óbvia agressão à ordem legal, que acaba resultando em tragédias. Não se sabe ao certo se houve vítimas fatais. Poderia ter sido havido ali uma calamidade.
Mas, sabemos, diante de setores do Estado brasileiro tomados por viés ideológico estupidamente igualitarista — e o mal não está no fim: a igualdade; mas nos meios empregados: a agressão à ordem legal e a violência — e de uma imprensa no mais das vezes simpática a invasores, os homens públicos se quedam inermes e viram meros caudatários desses grupos organizados.
Boulos e seu MTST negam ter qualquer responsabilidade nessa invasão; mas eles são os responsáveis por ter transformado esse expediente num método, quase numa categoria política, o que encontra eco, reitero, na imprensa. Porque, afinal, Sua Excelência o Oprimido de Manual pode tudo — pode, inclusive, desafiar os padrões mínimos de segurança e montar cidade afora piras potenciais, à espera apenas de uma fagulha, que pode vir, parece que foi o caso, de uma simples briga de casal.
A resposta imediata é simples: a Justiça tem de apreciar os pedidos de reintegração de posse; elas têm de ser executadas. Os imóveis ocupados irregularmente têm de passar por vistorias. Em caso de risco, têm de ser desocupados.
No mais, a democracia garante que esses movimentos continuem a pressionar por moradia e por aquilo que acharem que lhes faz falta. Os partidos políticos, as ONGs, os movimentos… Bem, estão todos aí prontos para falar, para reivindicar, para exigir. E os representantes legais da população darão a resposta que conseguirem, arcando com o peso de suas escolhas quando submetidas ao escrutínio popular.
É a resposta que a democracia dá a essas coisas. Países que superaram esse e outros atrasos o fizeram com pressão política que foi mudando os marcos legais. O salto de qualidade não se deu na base da força bruta e do fato consumado.
Ocorre que vivemos tempos em que os homens públicos acabam condescendendo com o erro porque o acerto não é do gosto dos movimentos organizados. Acontece com o direito constitucional. Imaginem se não aconteceria com a moradia.
Em qualquer caso, a coisa termina em incêndio.