Precedente perigoso. Por Merval Pereira – Heron Cid
Bastidores

Precedente perigoso. Por Merval Pereira

25 de abril de 2018 às 10h06 Por Heron Cid

A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal de tirar da jurisdição do juiz Sérgio Moro, de Curitiba, partes da delação da Odebrecht, sob a alegação de que não têm relação com a corrupção da Petrobras, abre um caminho perigoso para a sociedade e benéfico para Lula, que pode chegar até à anulação da condenação do ex-presidente pelo TRF-4.

O objetivo da defesa é, anulando a condenação de segunda instância, tornar o ex-presidente elegível, livrando-o da Ficha Limpa.  Ao fim de uma batalha judicial que já leva vários meses, a tese da defesa de que Sérgio Moro não é o juiz natural para julgar os casos não diretamente ligados à corrupção da Petrobras ganhou a chancela de três ministros do STF: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

Ao mesmo tempo, a defesa do ex-presidente  entrou com dois recursos no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), para o STJ e o STF, contra a condenação no caso do triplex em Guarujá (SP), alegando diversas irregularidades no processo, inclusive que o Juiz Sérgio Moro não deveria estar à frente do julgamento que condenou o ex-presidente Lula.

No recurso especial, a defesa do ex-presidente pede que o STJ absolva Lula ou decrete a nulidade de todo o processo.  Os dois recursos também pedem que “seja afastada qualquer situação de inelegibilidade de Lula”. Esse é um recurso obrigatório pela Lei de Ficha Limpa, para que o direito de defesa seja exercido na sua integridade.

Com a decisão de ontem do Supremo, esses recursos acabaram ganhando conotação diferente, pois ela demonstra que o Supremo, em teoria, pode acolher a tese de que Moro não é o juiz natural também do processo do triplex do Guarujá.  Essa tese havia sido rejeitada tanto por Moro quanto pelo TRF-4.

Os advogados de Lula alegavam que, ao afirmar que o triplex não está diretamente ligado à corrupção na Petrobras, o juiz Sérgio Moro desfigurou a denúncia do Ministério Público. A explicação do Juiz Moro na ocasião foi de que havia sido reconhecido na sentença que houve acerto de corrupção em contratos da Petrobras, e que parte do dinheiro da propina combinada foi utilizada em benefício do ex-Presidente.

Para o juiz, não há nenhuma relevância para caracterização da corrupção ou lavagem de onde a OAS tirou o dinheiro para o imóvel e reformas. Dinheiro é fungível, isto é, pode ser trocado por outros valores iguais. O próprio Sérgio Moro escreveu em uma de suas sentenças: “Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela construtora OAS nos contratos da Petrobras foram usados para pagamento indevido para o ex-presidente”.

Para Moro, não importa de onde a OAS tirou o dinheiro, mas somente que a causa do pagamento tenha sido contrato da Petrobras. No caso da Odebrecht, por exemplo, o dinheiro usado para pagar os diretores da Petrobras vinha de contratos no exterior sem relação com a Petrobras, mas tinha como objetivo ganhar concorrências na Petrobras.

Dinheiro não é carimbado com sua origem, mas havia conta corrente de propina que era abastecida com dinheiro proveniente de corrupção na Petrobras. O detalhe tragicômico é que a decisão do Supremo foi tomada no quarto agravo regimental de petição, com base em embargos de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento.

Outro agravo que a Segunda Turma vai ainda examinar foi encaminhado pelo ministro Fachin, que diz que ele perdeu seu objetivo porque os embargos dos embargos já foram julgados inconsistentes pelo TRF-4. A reclamação da defesa é de que a ordem de prisão de Lula foi dada antes que todos os embargos fossem analisados.

Os embargos dos embargos, pelo próprio nome, são uma aberração, uma ação protelatória. A prisão foi decretada porque os embargos dos embargos não têm a menor possibilidade de mudar a condenação. São essas distorções do nosso sistema jurídico que levam à impunidade.

Em uma disputa em Goiás, Carlos Alberto Sardemberg mostrou na CBN ontem, houve oito embargos de declaração, dois agravos e dois embargos dos embargos do agravo. A ementa do STJ repete 12 vezes a expressão sem sentido embargo de declaração dos embargos de declaração dos embargos de declaração.

O Globo