Você acha que Antonio Palocci é culpado? Eu também acho. Ele já confessou. Deve ter, acho eu, lugar garantido na cadeia. Mas tem de ser de acordo com o devido processo legal e sem promover bagunça institucional. E bagunça foi o que se fez ontem. Os seis ministros que se negaram até mesmo a examinar o habeas corpus já escolheram o caminho da aberração. Submeter, em seguida, à apreciação do pleno um habeas corpus de ofício, como fez Edson Fachin, o relator, é um escárnio, um escracho. É a ala “Estado Islâmico de Toga”
Explico. Palocci está em prisão preventiva há um ano e oito meses. Seu habeas corpus chegou às mãos de Edson Fachin em abril do ano passado. O ministro amoitou. Em junho, Sérgio Moro condenou o ex-petista a 12 anos e 2 meses de cadeia. Nesta quarta, 6 dos 11 ministros do Supremo, que descobriram as glórias do aplauso que lhes garante o populismo penal, decidiram, ATENÇÃO!, NEM MESMO CONHECER DO HABEAS CORPUS, como se diz em linguagem técnica. Vale dizer: votaram para que não fosse nem mesmo examinado.
Motivo alegado: o recurso foi impetrado antes da condenação; depois dela, ele se tornaria descabido. A tese é, em si, absurda porque o HC nada tem a ver com culpa ou inocência, seja em primeiro, seja em segundo grau. A questão a saber é se está dado ao menos um dos quatro motivos apontados no Artigo 312 do Código de Processo Penal para manter presa uma pessoa antes do trânsito em julgado — ou da condenação em segunda instância, como permite jurisprudência do STF. Quais são eles? Ameaça à ordem pública, ameaça à ordem econômica, risco à instrução criminal (alterar provas ou influenciar testemunhas) ou risco de não-cumprimento da lei penal (fuga).
Nem a ditadura militar tratou assim o antes chamado “remédio heroico”. Ora, que os senhores ministros da ala heavy metal do direito penal examinassem o recurso e o negassem! Mas não! O que querem os seis que adotaram essa posição — Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Roberto Barroso, Rosa Weber e Carmen Lúcia? Desmoralizar o estatuto do habeas corpus. Barroso, sempre no papel de Supremo Legislador, fez um verdadeiro manifesto contra o exame do recurso pelo STF e, pasmem!, pelo STJ. Com aquele discurso entre o empolado e o indignado com que diz platitudes, ele nos adverte de que os presos recorrem ao HC só para ver se conseguem ser soltos… É mesmo?
A situação já era surrealista. Mas ainda faltava o pior. Encerrada a votação, Edson Fachin resolveu abrir a discussão sobre a concessão de um habeas corpus de ofício. O que é isso? É um dispositivo presente no Parágrafo 2º do Artigo 654 do Código de Processo Penal. Lá se lê:
“Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.”
Notem: o habeas corpus de ofício é uma espécie de varinha mágica dos juízes e tribunais para, mesmo sem as devidas formalidades, garantir a liberdade de alguém prestes a sofrer uma arbitrariedade. Ora, por definição, propõe a questão quem defende a liberdade de um preso. Ocorre que Fachin não quis nem mesmo examinar o pedido e, ao ler seu voto de mérito, deixou claro ser contra o habeas corpus de ofício que ele mesmo suscitou. É inédito na história do Supremo. Estamos diante de um novo marco.
Negar conhecimento de habeas corpus e depois propor, como faz Fachin, que se avalie a sua concessão de ofício, para negá-la. corresponde a executar alguém e depois tripudiar sobre o cadáver, como faz o Estado Islâmico. Só propõe avaliação de habeas corpus de ofício, reitero, quem está disposto a concedê-lo. É absolutamente exótico e estúpido abrir a fila dos que dizem ser o recurso descabido e, depois, propor sua apreciação. Por que o ministro faz isso? Apenas para exercer uma vez mais sua verve punitivista e para expor os colegas que pensam de modo diferente à fúria das redes sociais e dos setores xucros da subimprensa, a saber: Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello.
Lembrem-se de que Cármen Lúcia já tinha posto Celso de Mello na mira.
Palocci? Eu quero que Palloci se dane segundo dispõe a lei. É criminoso confesso e cheio das patranhas. Numa conversinha toda melosa e pontuada por sabujices com o juiz Sérgio Moro, afirmou que tinha coisas ainda a revelar. Entendeu-se que eram sobre os outros, provavelmente Lula. Nas confissões que fez, fora de um processo de delação, admitiu ter enfiado o pé na jaca, mas tentou representar o papel de mero pau-mandado do ex-presidente.
Bem, todo mundo com um mínimo de honestidade intelectual e que conhece o assunto tem de admitir que, aos olhos do alto empresariado e do mercado financeiro, era Palocci que justificava Lula, não Lula que justificava Palocci. Vale dizer: o ex-ministro da Fazenda chegou a ser o preferido de 10 entre 10 grandes empresários, 10 entre 10 banqueiros, 10 entre 10 representantes do mercado financeiro. Alguns dos profissionais do ódio ao PT já foram entusiastas do governo Lula. Eu nunca fui. Muito pelo contrário.
Os cinco ministros que foram favoráveis ao exame do habeas corpus — e que, é bem provável, o concederiam — estão sendo vítimas de uma armadilha preparada pela “Ala Isis” do tribunal, a turma que não se contenta em matar: importante é tripudiar. Propor o exame de um HC de ofício para recusá-lo busca preparar o palanque para novos ataques à ordem legal, como os feitos por Barroso, e expor os que defendem a lei e a Constituição à fúria das redes. Em lugar dos legalistas, eu diria um simples “sim”. Eles que se divirtam lá com seus chicotes, algemas, relhos e paus-de-arara legais.
Que belos magistrados da ditadura os seis teriam sido!
Sim, o lugar de Palocci é a cadeia, e o dos ministros do Supremo, a Constituição e a leis.
RedeTV