Raquel prova de novo que é jaca da jaqueira do MPF. Por Reinaldo Azevedo – Heron Cid
Bastidores

Raquel prova de novo que é jaca da jaqueira do MPF. Por Reinaldo Azevedo

28 de fevereiro de 2018 às 09h47 Por Heron Cid
Raquel Dodge (Foto: Kleyton Amorin/Uol)

Raquel Dodge, procuradora-geral da República, é, por enquanto, uma decepção para quem esperava dela não um alinhamento ideológico com este lado ou com aquele. Com a devida vênia, eu tenho autoridade para falar isso porque sei que irrito parte considerável dos meus leitores quando afirmo que Lula foi condenado sem provas ou que a Polícia Federal promoveu um espetáculo grotesco — e, entendo, ilegal — na entrevista coletiva concedida por uma delegada sobre o caso do petista Jaques Wagner. As cobranças que faço à doutora não tem origem ideológica. Ou, vá lá, tem, sim, mas num sentido menos rasteiro do que podem supor alguns: sim, fala nestes textos um jornalista liberal, defensor do Estado de Direito e das regras pactuadas no regime democrático. Para todo mundo! Sei que o PT, por exemplo, não faria — e não fez!  — isso por mim. Mas não são os petistas a ditar os meus pressupostos morais.

No que diz respeito a esses valores, a doutora tem sido uma decepção. Não que eu esperasse dela especial talento no manejo dessas questões. Tinha a expectativa, tão-somente, de uma atuação técnica. E, também a procuradora, está voltada, por enquanto, a fazer a vontade da corporação que representa — e aí está um dos males decorrentes de se entregar um cargo dessa importância aos cuidados de uma corporação. Foi o PT quem inventou a “eleição direta”, com lista tríplice, de procurador-geral por uma entidade sindical de procuradores. E o fez ao arrepio da Constituição. Constituição que os procuradores deveriam defender em vez de desrespeitar de maneira determinada.

A última diatribe da doutora consistiu em apresentar uma petição, nesta terça, ao ministro Edson Fachin para incluir o presidente Michel Temer entre os investigados de um inquérito aberto no ano passado, que apura repasses da Odebrecht ao MDB em 2014. O repasse, de R$ 10 milhões, teria sido acertado no Palácio do Jaburu, residência oficial do então vice-presidente Michel Temer, no ano de 2014. O vice teria estado presente ao encontro, mas não há testemunhos dando conta de que soubesse da coisa. O acerto teria sido combinado com Moreira Franco e Eliseu Padilha, ambos investigados no caso.

Notem: nem vou entrar no mérito se a coisa aconteceu ou não. O fato é que Temer não era presidente em 2014. O Parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição é explícito e já foi aplicado a todos os seus antecessores:
“O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.”
Assim, ainda que a coisa tenha acontecido, não poderá ser investigada agora. O próprio Rodrigo Janot, que comandou duas tentativas de golpe contra Temer — tanto é assim que as delações dos Batistas e sua turma devem ser anuladas —, não pediu a inclusão do presidente no rol dos investigados porque o óbice constitucional é evidente.

A doutora propõe, também ela, uma leitura da Constituição segundo aquilo que nela não está escrito. Para ela, o presidente “não poderá sofrer responsabilização em ação penal enquanto durar seu mandato”, mas pode ser investigado. E diz:
“Considero necessário tratar da ampliação do rol de investigados neste inquérito para incluir o senhor presidente da República Michel Temer, por considerar que a apuração dos fatos em relação ao presidente da República não afronta [a Constituição]”.

Ora, qual é o sentido do tal dispositivo? Justamente impedir a turbulência política, que, é óbvio, estaria dada já com a simples investigação. Em tempos normais, eu diria: “É claro que Fachin vai rejeitar o pedido”. Mas os tempos não são normais. Como o caso diz respeito ao presidente, caberá que o pleno do Supremo o examine. Em tempos normais, eu diria: “É claro que o tribunal vai rejeitar o pedido”. Mas os tempos não são normais.

A Constituição que a orienta não é aquela de 1988, mas uma outra qualquer, que ela tem na cabeça.

Dodge resolveu escandalizar a lógica já quando pediu a Roberto Barroso, relator do caso do decreto dos Portos, que determinasse o silêncio obsequioso do então delegado-geral da PF, Fernando Segoovia, que havia dito não haver provas contra Temer. Ela afirmou que ele não poderia tê-lo feito porque o agente público tem o dever da impessoalidade. Aqui mesmo, perguntei o óbvio: e os procuradores e delegados que falam pelos cotovelos e condenam as pessoas à fogueira sem a mínima chance de defesa? E a delegada que se comportou como juíza de Jaques Wagner? Bem, nesse caso, Dodge não fala nada.

Não há muito a dizer, até agora, em favor da procuradora. Cadê a devida apuração do caso Marcelo Miller, ex-figurão do MPF então lotado na PGR e que passou a trabalhar para o grupo JBS? Quando Joesley gravou a conversa com o presidente, Miller já se encontrava na dupla militância. Participou tanto dos acordos de delação premiada, vergonhosamente homologados por Fachin, como do acordo de leniência. Doutora Raquel também resolveu endossar os interesses corporativos da categoria ao se expressar com veemência em defesa do auxílio-moradia. Por ano, a mamata custa ao país R$ 1,6 bilhão.

Não direi que Dodge age com o despudor de um Janot porque considero a performance daquele senhor inigualável. Ela, ao menos, tem evitado arroubos públicos de populismo. Mas é uma jaca de sua jaqueira. E, na jaqueira do MPF, o estado de direito não se cria, e os códigos legais são meros pretextos para desrespeitá-los.

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