A demissão do diretor-geral da Polícia Federal Fernando Segovia como primeiro ato de Raul Jungmann na encarnação de ministro da Segurança Pública tem a importância simbólica de garantir a autonomia de ações da corporação diante das diversas iniciativas que sinalizavam a vontade de interferir nas investigações sobre o presidente Michel Temer e seu entorno, mas está longe de ser o fato mais importante do começo do novo ministério.
As coisas começam a fazer sentido quando se une a visão de Estado democrático de Jungmann com a visão estratégica do comandante do Exército, General Eduardo Villas Bôas. Ao tomar posse como ministro extraordinário da Segurança Pública, Jungmann disse que está havendo uma banalização da intervenção das Forças Armadas na segurança pública, que não deve ser resolvida dentro dos parâmetros da Defesa.
Para ele, é preciso combater o crime organizado “sem jamais desconsiderar a lei e os direitos humanos”, pois “(…) O Estado e a sociedade não podem se equiparar ao crime organizado, sob pena de a ele se igualar”. O comandante do Exército, que já se queixara anteriormente sobre os constantes pedidos de intervenção militar nos Estados para combate ao crime organizado,disse que o período de nove meses para a intervenção na segurança pública do Rio “é insuficiente para que se possa atingir com profundidade as causas que levaram a esse estado de coisas”.
Para o General, o novo ministério era necessário “porque todo o combate à criminalidade no Brasil carece de um mínimo de integração e de parâmetros”. Jungman, em recente artigo sobre o tema, sugeriu que uma saída seria “a ampliação da Força Nacional de Segurança Pública com mais e melhores recursos”. Sugeriu também “(…) outras medidas que garantam a presença do Estado em todas as comunidades, sobretudo na área social, a fim de apoiar o contínuo trabalho das forças de segurança e o pleno exercício da cidadania”.
Esse parece ser o objetivo de longo prazo, aperfeiçoar as forças de seguranças locais para que não necessitem o apoio das Forças Armadas. A questão da segurança pública passou a ser de segurança nacional, já não é uma questão isolada de estados. Em todo o país há quadrilhas organizadas que se intercomunicam e dominam os presídios, com características muito semelhantes.
Um plano nacional de segurança é fundamental para fazer um combate organizado, com funções específicas para as Forças Armadas, como controle de entrada de armamentos e drogas.O plano de segurança integrado das Forças Armadas com as administrações estaduais, como o que está sendo planejado para o Rio de Janeiro, deverá ser nacional e levado a outros estados.
A atuação das Forças Armadas no Rio será feita com um programa mais estruturante, como já foi revelado aqui na coluna, envolvendo a reorganização dos esquemas de segurança pública como os que são responsáveis pelos presídios, a modernização e treinamento das polícias civil e militar, o aperfeiçoamento das corregedorias, para fiscalizar e punir os agentes públicos cooptados pelo crime organizado, e patrulhamento das fronteiras.
Narcotráfico e tráfico de armas são crimes federais, transnacionais. O objetivo é que um grande programa nacional seja implantado, com a reorganização das forças de seguranças estaduais, com o controle dos presídios pelas autoridades locais, uma Força Nacional de Segurança Pública permanente e bem treinada em ação, e as Forças Armadas atuando nas fronteiras de maneira eficiente para coibir o tráfico de armas e drogas como questão de segurança nacional.
As gangues estruturadas no Rio e em São Paulo se nacionalizaram e até se internacionalizaram, já têm o controle da distribuição das drogas e das armas, e agora buscam o controle da produção. Estão procurando, em termos econômicos, integrar e verticalizar. Hoje tem o PCC e seus associados, e o Comando Vermelho e seus associados, em todo o país, e eles começam a afrontar as instituições.
As análises dos órgãos de inteligência mostram que o crime começa a se transformar em uma afronta ao sistema democrático, o caminho do Cartel de Medellín. A decisão de criar o ministério da segurança pública foi tomada “para que não cheguemos ao ponto em que a Colômbia chegou, e agora o México vive”.
A criação de um ministério de Segurança Pública dá a ideia de que o governo vai pensar nacionalmente a questão, além do caso específico do Rio de Janeiro, que é o estado com maior visibilidade. Mas há problemas seríssimos no Nordeste também e é preciso tirar do papel o plano de Segurança Nacional, criar mecanismos para que a intervenção no Rio – importante e necessária – dê frutos e outros estados sejam protegidos com planejamento a longo prazo.
O Globo