O ex-presidente Lula participou, nesta quarta, de um ato em Belo Horizonte em comemoração aos 38 anos do PT. O evento também serviu para mais um pré-lançamento de sua candidatura à Presidência. Caso se leve em consideração o que diz, fica-se com a impressão de que ele realmente acha que vai ser candidato. E sabe que não será. A fala faz parte de uma estratégia. Do ponto de vista técnico, tenho cá minhas dúvidas se é o mais inteligente.
Lula começou empregando de maneira certamente perigosa para ele o verbo “respeitar”. Afirmou:
“Eu não respeito a decisão que foi tomada contra mim porque sei que ela é mentirosa, política e não está baseada nos autos do processo.”
Obviamente, está empregando a palavra como sinônimo de “ter deferência, consideração, apreço”… Podemos dizer: “Não respeito gente falastrona, covarde, desleal…” Ocorre que outro sentido corriqueiro da palavra é “acatar”, “obedecer”, “cumprir”. E, a menos que consiga fugir, Lula terá de “respeitar” a decisão da Justiça, no sentido de seguir à risca a sua determinação, ainda que não a “respeite” — vale dizer: que não tenha nenhuma consideração por ela.
A confusão já lhe custou contratempos. O juiz Ricardo Soares Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, mandou recolher seu passaporte, já devolvido. Entendeu que “não respeitar a decisão” era sinônimo de não acatá-la. Logo, disse o magistrado, o petista poderia fugir… Uma coisa é certa: a cada vez que ele se manifesta dessa forma, pode até aumentar seu cacife junto a alguns setores do eleitorado. Mas o fato é que empurra o Judiciário para uma posição reativa: que esperança Lula tem de que a terceira instância possa rever a condenação? A propósito: caso o STJ venha a inocentá-lo — hipótese remotíssima —, aí ele “respeitará” a decisão? Deve-se concluir que só respeita a Justiça quando esta lhe é favorável?
Aparentemente, é um mau caminho. Mas é preciso considerar que há nisso uma boa dose de cálculo — ainda que, com efeito, Lula não queira ir para a cadeia.
Estou entre aqueles que acham que o ex-presidente vai obter o habeas corpus que o impedirá de ser preso antes do trânsito em julgado — isto é, antes do julgamento do STJ. Ocorre que a questão da elegibilidade antecede esse julgamento e dele independe. Ainda que venha a registrar a sua candidatura, esta certamente será cassada pelo TSE. A Lei da Ficha Limpa não deixa margem para dúvidas: um condenado por um colegiado está inelegível.
Então por que Lula afirmou, em Belo Horizonte, que está candidato? Por que abriu fogo uma vez mais contra a Justiça? Porque está fazendo um cálculo eleitoral. Quanto mais se colocar como vítima de um sistema que buscou alijá-lo da disputa, mais cacifa aquele que vier a ser o seu ungido: a esta altura, ele pede menos o voto em si mesmo — PORQUE SABE QUE NÃO IRÁ CONCORRER — do que um voto que ele pretende que seja de resistência. E então dirá: “Eles me tiraram na disputa; o meu candidato é Fulano”. Assim, andam errados, acho eu, os analistas que sustentam que o petista dá um tiro no pé quando insiste em ser o candidato. Esticar essa possibilidade até o limite dispensa o PT de construir, desde já, uma candidatura, tarefa das mais difíceis. A estratégia do partido consiste agora em criar a “vítima”. É coisa arriscada? É, sim! Mas qual é a alternativa?