O governador Ricardo Coutinho atropelou os caciques da política paraibana em dois épicos momentos. Derrotou José Maranhão, em 2010, e o até então invencível Cássio Cunha Lima, em 2014. Mas, ironicamente, não sabe como desatar um nó chamado Lígia Feliciano, sua cândida vice-governadora.
Nó, aliás, criado pelo próprio Governo ao estabelecer com ela uma relação arisca, árida e apática.
Ricardo, como se sabe na real, quer duas coisas do processo eleitoral de 2018: eleger um sucessor ‘seu’, que hoje atende pelo nome de João Azevedo, e garantir seu legítimo espaço político no Senado, tribuna suficiente para manter seu prestígio e liderança em voga.
A operação inevitavelmente passa pela sua renúncia ao cargo, no prazo fatal, 7 de abril. Movimento que alça a vice ao posto de governadora, o que Ricardo não cogita e nem quer ouvir falar, porque sabe perfeitamente da natureza das coisas. Quem assume o cargo pode pleitear o direito de apresentar seu nome no processo eleitoral.
A arena polar
Esse cenário estabeleceu uma guerra fria entre os dois, e uma surda medição de forças.
De um lado, Ricardo incensando o universo político com sua suposta decisão de ficar, como forma de manter o controle do poder, esvaziar perspectivas da vice e pressioná-la a ceder ao direito de assumir e, consequentemente, levá-la a também renunciar concomitantemente, limpando de vez o caminho para o Jardim Girassol.
Do outro, Lígia reagindo com antártico comportamento, ratificando sua disposição de cumprir o mandato até o fim (sem renúncia), e enterrando as sugestões de uma tentadora suplência de senadora do socialista, cuja eleição se apresenta como favas contadas.
O que sobra a Ricardo? Pressionar e desidratar os projetos da família Feliciano. Somado ao achatamento das perspectivas da vice, a artilharia mirada nas bases para ameaçar o mandato do deputado federal Damião Feliciano.
Nessa queda de braço, as rodas políticas perguntam o inevitável: quem tem mais a perder?
O peso da balança para Lígia
Se não se render, além de não sentir o gostinho de morar na Granja Santana, a vice-governadora vê se esvair uma convidativa suplência de um titular que pode se afastar, em caso de disputar e vencer em 2020, em João Pessoa, ou em 2022, na eleição para governador.
E mais: o deputado Damião Feliciano (PDT) sentirá o peso da caneta do Governo sobre seus aliados, lideranças e prefeitos Paraíba afora, experimentará o emagrecimento de suas chances de reeleição e amargará o risco de uma derrota.
Na prática…
Ninguém perde o que não tem. Para Lígia, a vice-governadoria é seu primeiro mandato. Assumir o Governo é bônus no caminho. Se não for governadora, sai perdendo uma aposentadoria vitalícia. Nada demais para uma rica empresária.
Damião Feliciano sempre renovou mandatos, com poucos prefeitos, e independente de governos. Se for formalmente perseguido pelo Estado, tem a alternativa de buscar reposições em candidaturas da Oposição. Quem não quer o apoio de uma vice-governadora e o tempo de propaganda eleitoral do PDT?
O peso da balança para Ricardo
Caso não evolua seu projeto de render a vice, o governador Ricardo Coutinho se verá obrigado a permanecer no Governo, que já entra em óbvio compasso de contagem regressiva. Será no máximo, na eleição, um considerável cabo eleitoral, figura, portanto, coadjuvante no processo, em que pese o brilhantismo de sua liderança.
Do contrário, optando aparecer mais do que o candidato, poderá sufocar João Azevedo e condená-lo ao papel de mera representação, sem protagonismo e nem vida própria no debate. Cena já vivida por Estela Bezerra e Cida Ramos.
Coutinho até tira de Lígia o sabor do poder, mas sacrifica uma eleição pavimentadíssima e tribuna privilegiada de oito anos que lhe garantem, no mínimo, o comando das oposições, em caso de insucesso do seu candidato preferencial.
Na prática…
No melhor dos desenhos, Ricardo Coutinho pode eleger seu sucessor e, de pijama, assisti-lo governar e ascender em faixa própria por quatros anos até a sua volta. Ou por oitos anos acostumar-se ao figurino de convidado da Granja, tal qual se sucedeu com Lula e Dilma.
E ainda curtir o prazer de, afora tolher oito meses de governo para Lígia, suspirar ao testemunhar a cabeça de Damião Feliciano decapitada e de fora da lista dos doze parlamentares eleitos à Câmara Federal.
Ou…
No quadro adverso, Ricardo pode engolir no seco o triunfo dos seus adversários nas urnas e conviver, sem mandato, sem tribuna, com um José Maranhão de volta, ou Luciano Cartaxo ou Romero Rodrigues, por exemplo, virando novo líder (tal qual ele em 2011), despachando no Diário Oficial e recebendo adesões dos gatos de Palácio.
Quer mais? Na condição incômoda de expectador, ver o desafeto Cássio Cunha Lima se mantendo em Brasília e com prestígio nacional.
Sem imunidade, aguentar os pouco amistosos Poderes (TJ, TCE e MP), revirando e exumando processos…
Poder ser pior do que isso? Pode. Manoel Junior governando João Pessoa, montado num gordo orçamento com apoio do virtual governador e aliado. Um outro adversário pilotando Campina Grande… E Damião Feliciano escapando do cerco, se reelegendo e ainda garantindo a Lígia algum cargo na chapa adversária.
Resumo, nu e cru
Sendo a única saída a radicalização e fincada de pé no cargo, Ricardo pode experimentar uma pouca esperada e monumental vitória… Mas de fazer inveja e sacudir Pirro no túmulo.
Em caso de derrota, nem precisa ser vidente para vislumbrar os estragos a curto, médio e longo prazos…
Olhando de todos os ângulos, e por tudo o que ele representa atualmente na política paraibana, o governador tem muito, muito mais a perder do que a estreante Lígia Feliciano. Quem dos dois vai pagar pra ver?