Até carnavalesco já aprendeu que é preciso “apelar ao social” e gritar contra a política e os políticos se quiser ter, como diz a blague, aquele “plus a mais” que vai fazer a diferença entre os jurados. Também na avenida, a demagogia triunfa sobre a técnica, a estética e, pois, na rima sem solução, sobre a ética. Curioso: assistimos a um “Carnaval politizado” na terra do “direito carnavalizado”. No país em que juízes não portam a bandeira da Constituição e em que ministros do Supremo manipulam os códigos legais como se fossem alegorias de mão, faz sentido assistir à premiação da discurseira pedestre, com samba no pé…
A escola que venceu o desfile do Rio, o principal do país, foi a Beija-Flor, com o samba-enredo “Monstro É Aquele Que Não Sabe Amar (Os Filhos Abandonados da Pátria Que Os Pariu)”. O trocadilho dispensa tradução. Lá estão estes versos:
“Ganância veste terno e gravata
Onde a esperança sucumbiu
Vejo a liberdade aprisionada
Teu livro eu não sei ler, brasil!
Mas o samba faz essa dor dentro do peito ir embora
Feito um arrastão de alegria e emoção o pranto rola
Meu canto é resistência
No ecoar de um tambor
Vêm ver brilhar
Mais um menino que você abandonou”.
No “terno e gravata”, vai a referência óbvia às ditas elites e aos políticos. É mesmo? Venham cá: nos morros, de onde provêm a maioria das escolas, e nas periferias, de onde vem a Beija-Flor, os, digamos assim, “locais” conseguiram fazer um sistema mais justo do que aqueles que se transformaram em alvos do samba-enredo? O presidente de honra da Beija-Flor é o bicheiro Anísio Abraão David. No dia 7 de junho do ano passado, ele comemorou seus 80 anos numa festa de gala no Museu de Arte Moderna do Rio. Todos os engravatados estavam lá.
Anísio é um veterano de investigações da Polícia Federal — foi protagonista de ao menos três delas. Seu irmão, Farid Abraão David, exerce o terceiro mandato à frente da Prefeitura de Nilópolis. Ricardo Abraão, seu sobrinho, já foi deputado estadual. Simão Sessim, seu primo, exerce o 10º mandato de deputado federal. O filho de Simão, Sérgio, também já foi prefeito da cidade que abriga a escola. Mas, obviamente, a culpa pelas misérias do país — e do Rio — é dos outros engravatados. O júri se deixou comover por uma comissão de frente que simulava vítimas de balas perdidas. Afinal, se nada mais há a fazer, que se carnavalize a tragédia e se ouça: “Deeeeezzzz”.
Abraão David agora é também da ala das vítimas.
Por um décimo
Por um décimo, a Paraíso do Tuiuti não empatou em pontos com a Beija-Flor. Seu samba-enredo: “Meu Deus, meu Deus, Está extinta a escravidão?” A letra do dito-cujo, obviamente, conclui que não.
Lá está esta maravilha:
“Meu Deus! Meu Deus!
Se eu chorar não leve a mal
Pela luz do candeeiro
Liberte o cativeiro social
Não sou escravo de nenhum senhor
Meu Paraíso é meu bastião
Meu Tuiuti, o quilombo da favela,
É sentinela da libertação”
Uma das alas da escola protestava contra a reforma trabalhista, associada, ora vejam, ao trabalho escravo. Não é coisa do morro, mas de algum subintelectual esquerdista e pé-de-chinelo por lá infiltrado. Afinal, a dita reforma vai servir para garantir direitos a milhões de trabalhadores informais. Portanto, terá um efeito contrário ao anunciado pela escola.
A demagogia e o populismo também levaram para a avenida boneco do presidente Michel Temer, caracterizado como vampiro. Nas redes, as esquerdas babavam de satisfação. E lá se ouvia o samba-enredo: “Pela luz do candeeiro, liberte o cativeiro social”. Candeeiro? Temer é o presidente que reestruturou o setor elétrico, que Dilma Rousseff havia quebrado, o que nos livrou de um apagão, aí não for falta de água da chuva. A luz está garantida. Seja a regular, sejam os tais “gatos”, muito comuns nos morros do Rio.
O autor do samba-enredo da Tuiuti não aprendeu nada. Na década de 60, uma música de protesto chamada “Morro (Feio não é bonito)” cantava:
“Feio, não é bonito
O morro existe
Mas pede pra se acabar”.
A música é de Carlos Lyra, e a letra, de Gianfrancesco Guarnieri.
Segundo os sábios do Tuiuti, o feio não é apenas bonito: a favela, agora, é sentinela da libertação. Todos amarrados, claro!, ao tronco da CLT, já que os valentes são contra a reforma trabalhista.
Mas os jurados acharam aquilo tudo uma lindeza, e os esquerdistas deram plantão do Twitter. Convenham: nada é tão doce, tão fácil e tão politicamente correto como resolver as misérias do Brasil com um sambinha, não é mesmo?
Que tempos estes! Juízes do Supremo se comportam como carnavalescos, e carnavalescos, como juízes do Supremo. Inclusive do Supremo Saber.
Você quer se libertar, amigo? Corra para o Morro do Tuiuti.