No dia 27 de novembro, escrevi neste blog um post sobre a então desistência de Luciano Huck — ou mais menos isso — de concorrer à Presidência. Em artigo na Folha, ele chegou a citar a Odisseia. Para ficar no campo da poesia épica, escrevi então:
(…) falta evidenciar algo que nunca se esclareceu na postulação de Luciano Huck. Já que ele recorreu à Odisseia, cumpre notar que sua candidatura tinha características de cavalo de Troia, não é mesmo? Trazia no seu interior alguns tucanos descontentes com o partido ou que já optaram mesmo pela dissidência — ou, sei lá, desistência.
Há quem não aposte, e não estou fazendo juízo de valor, mas apenas um registro, que a candidatura de Geraldo Alckmin possa empolgar o suficiente. Luciano, que não é um desses populistas vulgares que os meios de comunicação fabricam às vezes, era uma espécie de “hedge”, de proteção, de segurança, para a hipótese de isso acontecer. Vínculos familiares e outras afinidades eletivas o aproximam da elite empírea do tucanato, que não via a candidatura com maus olhos. Muito pelo contrário.
Não por acaso, um partido muito próximo dos tucanos — nanico, sim, mas tido como respeitável — lhe ofereceu a legenda: o PPS. O partido flertou até com a possibilidade de passar a ser chamar “Agora”, o que não deixa de ser um vexame considerável, não é?
Retomo
Muito bem! Mesmo que possa parecer espantoso, sim!, essa conversa sobre Luciano Huck se candidatar à Presidência ainda não morreu. Voltou a ganhar força com a pesquisa Datafolha, que mostrou o tucano Geraldo Alckmin no mesmo patamar de dezembro: nos 7% quando Lula está na lista; em 11/12% quando não está. Em um dos cenários, o ainda governador de São Paulo fica empatado com o apresentador, em 8%.
Bem, em novembro, eu afirmava que Luciano era uma espécie de cavalo de Troia do tucanato. E é. Não do partido como um todo, mas do que chamei de sua elite empírea. Infelizmente, FHC está entre os incentivadores desta “loucura, loucura, loucura”, e o PPS aceita abrigar Huck, se este quiser, assim como o tal PSL abrigou Jair Bolsonaro. É melancólico. Numa metáfora futebolística, o PPS era uma espécie de Portuguesa, em São Paulo, ou do América, no Rio. Quase todos tinham simpatia por ele. Pequeno, mas respeitável. Está se tornando apenas pequeno, cada vez menor.
O que sabe Luciano da administração pública, que experiência tem na política, que vivência tem do Congresso? Bem, não precisa. Seria o animador de auditório da “Nova Política” — ele gosta de falar em “geração” —, enquanto mordomos invisíveis, tucanos dissidentes, administrariam a casa.
A esta altura, é evidente que FHC está dando um apoio nada discreto à postulação. Já declarou publicamente que o candidato do PSDB é Alckmin, mas grava mensagens para a tal “Escolinha do Professor Raimundo da Política”, que tem Luciano como um dos financiadores. A turma concede bolsas de estudo a pré-candidatos, o que não passa de uma forma disfarçada de doação de empresas privadas a campanhas.
Nos oito anos de governo FHC, idiotas tentaram ver contradição entre a sua obra intelectual e seu governo. Não há. Até porque ele nunca escreveu manual de administração. Tampouco professou esquerdismo xucro na teoria, que alguns esperavam que praticasse no governo, dada a sua formação intelectual, próxima da esquerda.
FHC também nunca disse: “esqueçam o que escrevi”. Isso é uma invencionice. No terreno da política, no entanto, ele o faz agora, com esse incentivo que já nem é velado à candidatura do apresentador. Uma postulação que se coloca pelas beiradas; que se faz de negativas enquanto busca se construir; que vai se esgueirando sem enfrentar os temas relevantes, como as reformas, especialmente a da Previdência; que se constrói ao arrepio da institucionalidade, porquanto os partidos ainda são o caminho para lançar candidaturas. Luciano, como se nota, põe a candidatura. E esse negócio de partido se vê depois.
O ex-presidente tem experiência e formação intelectual para saber que não há teoria política que justifique esse troço. Pior: poderia haver, ao menos, evidência empírica de que, uma vez ao menos, a teoria errou. E não há. A única razão para simpatizar com o pleito ou endossá-lo é partir do princípio de que, se eleito, o apresentador continuaria a ser o animador de auditório, já que, então, a alta intelectualidade oriunda do tucanato se encarregaria de governar.
E se faria isso por quê? “Ah, para evitar o pior: ou um candidato esquerdista, ungido por Lula, ou Jair Bolsonaro”.
Bem, em primeiro lugar, Luciano pode ser o caminho mais curto tanto para um como para outro. E bastará que se cole nele a pecha de que é mero fantoche de parte do tucanato e da TV Globo.
Em segundo lugar, o grande FHC — que só tem Getúlio Vargas, por quem não tenho nenhuma admiração, a lhe fazer sombra — cometeu um erro monumental no passado: a emenda da reeleição, que nunca contou com o meu apoio. Eu a considerei e considero casuística. Foi aprovada em 1997, o que permitiu a sua reeleição em 1998. É evidente que aquele texto poderia ter, então, um apelido: “Emenda Risco Lula”.
Não posso contar a história que não houve, mas posso fazer especulações bastante sólidas. Fosse quem fosse o candidato que falasse em nome da continuidade do Real, mesmo em 1998, apesar das dificuldades, e Lula teria sido derrotado então pelo nome governista. Para afastar o risco Lula, no entanto, instituiu-se a reeleição. Ocorre que o petista venceu a disputa no pleito seguinte, em 2002… E a reeleição que FHC patrocinou em seu favor e do tucanato garantiu quatro mandatos ao PT, com as consequências conhecidas.
Uma coisa que este liberal assegura sem medo de errar, meus caros, é o seguinte: não tentem manipular as regras do jogo — incluindo as regras morais e as que a história ensina — para tentar dirigir a vontade do povo. O resultado nunca é bom. Quando as regras se mantêm, é possível consertar até as eventuais burradas feitas pelos eleitores. Se o aparato institucional vai para o lixo, depois da crise, não duvidem, vem o caos.
Infelizmente, FHC não está fazendo um aceno à renovação, não, mas à desordem. A exemplo do desastre a que nos conduziu a reeleição sob o pretexto de salvar o Real em 1998.
A democracia dispensa feiticeiros e feitiçarias.