Há uma profunda diferença entre vender esperanças e resgatar memórias. A avalanche de más notícias que atingiu nos últimos tempos os 50 milhões de brasileiros que hoje vivem na linha da pobreza – entre eles, 24,8 milhões que estavam na miséria em 2016, 53% a mais do que em 2014 – parece ser hoje o principal ativo eleitoral do ex-presidente Lula. Se o TRF-4 e demais instâncias do Judiciário o mantiverem na cédula, teremos na campanha presidencial um embate bem diferente do que muitos esperavam. Em vez da corrupção, como se previa depois da Lava Jato, ou da inflação e outros temas da economia, o social está chutando a porta e arrombando o debate.
Por social, entenda-se aqui as condições de bem estar que, obviamente, passam pela economia, puxadas pelo emprego e pela renda. Aos poucos, vai ficando claro que este será o fator preponderante na escolha do eleitor em 2018. Isso explica o desempenho de Lula nas pesquisas, embora elas não sejam decisivas a quase um ano de um pleito do qual poderá ser excluído.
Se continuar candidato, mais do que prometer dez ou 15 milhões de empregos, como fez em 2002 para levar a esperança a vencer o medo, o trabalho do ex-presidente será reavivar a memória de que, com ele, houve tempos melhores, de quase pleno emprego, crescimento e distribuição da renda. E prometer que eles vão voltar.
É um discurso que pode colar. Especialistas em pesquisas reconhecem estar diante de um cenário inédito, sem termos de comparação com eleições anteriores, nem mesmo com as campanhas de reeleição de Fernando Henrique, Dilma e do próprio Lula. Na reeleição, pesa a continuidade de uma situação que o eleitorado já está vivendo. Foi o plano Real, com o fim da hiperinflação e a volta do poder aquisitivo, no caso dos tucanos. A distribuição de renda e o pleno emprego nas reeleições petistas.
Agora, os candidatos vão lidar com gente que experimentou o bem-estar, aumentou sua renda familiar com a valorização do salário mínimo, usufruiu de programas sociais, viu os filhos entrarem num curso superior, conquistou a casa própria… Veio a crise, o desemprego, e seu mundo desmoronou. Alguém, agora, se dispõe a restaurá-lo. E é o mesmo sujeito que implantou tudo isso lá atrás.
É um forte argumento, reconhecem os especialistas e estudiosos, pela primeira vez às voltas com esse eleitor diferente. Como se comportará?
Aos adversários de Lula, seja lá quem forem, só restará vender esperanças. Jair Bolsonaro, aliás, só terá isso a apresentar. Outros, como Geraldo Alckmin, podem exibir a experiência administrativa no cartão de visitas, mas restrita a São Paulo.
O candidato do governo, que pode ou não ser o tucano, vai jogar tudo na recuperação da economia, lenta mas real. Poderá lembrar que a recessão que jogou milhões de volta no abismo da pobreza não nasceu no governo Michel Temer, mas no da petista Dilma Rousseff. Tem bons números nas mãos, como a queda da inflação e dos juros, e a previsão de um aumento maior do PIB.
Só que esse personagem, que pode ser também Henrique Meirelles e até Michel Temer, passará a campanha rezando para que o chamado “feel good factor”, a percepção da melhoria da economia no dia-a-dia da população, se manifeste logo, o que é bastante incerto. Se não se materializarem de forma concreta na vida das pessoas, palavras como PIB, selic, IPCA, são meras abstrações para elas.
Acima de tudo, o que tudo isso traz é uma lição às elites políticas brasileiras, que mais uma vez se esqueceram da grande maioria.
As forças que articularam o impeachment e assumiram o poder tinham, sim, que fazer um ajuste fiscal. Mas há ajustes e ajustes, e o segredo de tudo está na escolha de quem penalizar e a quem beneficiar. O governo Michel Temer e seus aliados vêm governando sobretudo para o establishment político e econômico. Desmantelaram programas sociais, promoveram recuos no campo das conquistas da cidadania e parecem ter subestimado a capacidade da maioria de fazer suas escolhas. Agora…