O foro da prerrogativa de função tem todo o sentido. Na essência, ele deveria proteger os mandatários de censuras ou abusos contra posições, opiniões ou denúncias e autoridades de julgamentos passíveis de pressões locais.
No Brasil, ele foi criado, em tese, para dar uma resposta ao absolutismo e garantir a responsabilização de ocupantes de altos cargos.
O processualista Frederico Marques dizia que foro por prerrogativa da função não é privilégio odioso, mas elementar precaução para amparar a um só tempo a Justiça e o próprio acusado, visando a que inferiores não julguem superiores, com todos os prejuízos daí decorrentes, diante das influências possíveis.
Victor Nunes, um dos mais aclamados ministros do STF, pregava: “Os tribunais de maior categoria tenham mais isenção para julgar os ocupantes de determinadas funções públicas por sua capacidade de resistir à eventual influência do próprio acusado. A presumida independência do tribunal superior é uma garantia bilateral contra e a favor do acusado”.
Mas, vamos combinar, essa essência foi distorcida ao longo do tempo para servir à intocabilidade, a procrastinação e, quase sempre, a impunidade.
Em artigo, o jurista e professor Miguel Reale Júnior aponta um caminho: “A solução não está, portanto, em eliminar o foro por prerrogativa de função, que seria simplista e arriscada, mesmo porque da decisão caberia recurso de apelação. O mais seguro está em atribuir aos Tribunais Regionais Federais, por meio de Turma Especial, a competência de julgar deputados federais e ministros, segundo o critério do local do crime, sem duplo grau de jurisdição”.
Uma saída alternativa do tipo nem tanto ao mar e nem tanto à terra.
Na Câmara, a proposta que acaba a prerrogativa avança, enquanto o STF aprecia sua fundamentação com pedido de vista do ministro Dias Toffoli.
Na Comissão de Constituição e Justiça, o relator da matéria é um paraibano, o democrata Efraim Filho, favorável, como setores majoritários da sociedade, à extinção, nos moldes atuais.
O debate é quente, mas deve ser decidido com frieza, racionalidade e bom senso.
O foro privilegiado deve acabar. Ponto.
E não apenas para dar uma resposta ao eco das ruas. É, antes de tudo, uma saída pedagógica para criar novos paradigmas de igualdade e Justiça num Brasil em que ser uma autoridade já é, por si só, sinônimo de sobeja superioridade e privilégio. Menos um, por favor.