Em vez de garantir direito às pobres, cassa-se o de Adriana Ancelmo. Por Reinaldo Azevedo – Heron Cid
Bastidores

Em vez de garantir direito às pobres, cassa-se o de Adriana Ancelmo. Por Reinaldo Azevedo

25 de novembro de 2017 às 09h30 Por Heron Cid
Adriana Ancelmo (Marcos Martins/G1)

Quem gostava de Sérgio Cabral, ex-governador do Rio, até outro dia eram setores da imprensa que agora o tratam como o cocô do cavalo do bandido. Eu nunca gostei. Coloquem no Google, sem aspas, as palavras “Blog Reinaldo Azevedo Sérgio Cabral” e vejam o que vem. Aliás, um exercício interessante seria procurar o que eu escrevi sobre o dito-cujo a partir de 2007 e o que deixaram para a história, por exemplo, os veículos do grupo Globo, muito especialmente no período que antecedeu a Copa do Mundo. Vale dizer: eu não preciso massacrá-lo, agora que é cachorro morto, porque nunca o idolatrei quando cachorro vivo e útil — muito vivo e muito útil!

É asquerosa, para ser suave, a cobertura que fez a média da imprensa, não só os veículos do grupo Globo, da decisão tomada pelo TRF2, que suspendeu a prisão domiciliar de Adriana Ancelmo, mulher de Cabral, devolvendo-a para o regime fechado na cadeia pública José Frederico Marques, em Benfica, onde está o marido, mas em ala distinta.

Antes que continue, uma observação: o casal está em prisão preventiva. Afirmar, a esta altura, que os dois representam risco à instrução criminal chega a ser ridículo. Então PF e MPF assinam atestado de incompetência. E quais são os crimes novos, além daqueles pelos quais são alvos de processo? Mas essa é outra conversa. A justificativa para devolver Adriana Ancelmo ao regime fechado é evidência de falência moral do sistema.

Ela tem direito à prisão domiciliar porque tem filho menor de 12 anos, e estão presos tanto ela como o marido. Observem que essa garantia, que está na lei, não busca proteger o preso, mas a criança. Por mais que parentes possam se encarregar de dar o devido amparo, é evidente que a situação é, por si, traumática.

E o que alegaram os desembargadores? Que seria uma discriminação odiosa garantir a Adriana o que se reconhece ser um direito, uma vez que presas pobres, que se encontrariam em situação idêntica, não gozam do mesmo benefício. Não estamos mais no terreno da justiça, mas no da demagogia barata e da vingança mesquinha. Digamos que existam outras mulheres em situação similar e que, por qualquer razão, não gozem do tal beneficio. Pergunto:
a: isso é culpa de Adriana? Já não bastam as que ela tem?;
b: se o direito de determinadas presas não está sendo respeitado, deve-se punir Adriana — cassando também o seu — ou a incúria do Estado?;
c: quantas são as presas com filhos menores de 12 anos cujos maridos ou parceiros também estão presos? Haverá mesmo tantas mulheres em situação idêntica?;
d: ainda que essas presas não tenham um bom advogado, o Estado brasileiro não gosta uma verba multibilionária com defensores públicos?;
e: é razoável que se casse um direito de alguém, ainda que o de uma ré, porque, afinal, o Estado não consegue cumprir a sua função?

Ah, não! Não me peçam para condescender com isso. O argumento para devolvê-la à prisão — apresentado, diga-se, pelo Ministério Público Federal — é uma joia da estupidez destes tempos, em que se busca menos a Justiça do que a vingança.

“Ah, Reinaldo, por que gastar vela com gente como Adriana Ancelmo?”

Não é por ela. Quem já beijou seus pés quando indicado ao Supremo foi o agora Torquemada Luiz Fux, não eu. Não a conheço. Nunca nem falei com Sérgio Cabral. Nunca foi nem minha fonte. Seu estilo, então elevado aos píncaros da glória pela imprensa carioca — grupo Globo em particular —, sempre me provocou engulhos. Aquele seu estilo entre o superlativo e o garotão folgazão causava em mim urticária moral. O sistema de segurança inventado no Rio, com amplo apoio do esquema midiático que o amparava, era uma das mais vistosas fraudes do país.

E Cabral sempre foi duramente criticado neste blog.

Mas o que vejo aí, da forma como segue, não me interessa. Porque não serve para construir uma democracia.

Se Adriana Ancelmo tem direito à domiciliar; se o poder público sabe disso; se sua defesa cumpriu os devidos trâmites; se estamos diante de uma cassação imotivada de uma licença, que se busque assegurar às mulheres pobres a mesma prerrogativa.

Mas não!

No direito à moda brasileira, que hoje conta com o entusiasmo rancoroso de muita gente, o que se quer não é dar aos pobres as garantias que lhes cabem, mas tirá-las dos ricos.

A decadência de setores da imprensa não é menor do que a decadência dos homens públicos. Eu diria até que, em muitos aspectos, é ainda pior.

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