Certa feita, num diálogo com um jornalista muito influente, na semana em que vieram à tona os episódios envolvendo Aécio Neves e o presidente Temer, afirmei: “O que se tem aí não é operação controlada, mas flagrante armado”. Entusiasta da coisa toda, ele ficou meio zangado. Segundo disse, eu não tinha “elementos para afirmar”. Bem, o elemento principal, de saída, era a escolha do relator no STF, feita por Rodrigo Janot. Sim, refiro-me a Edson Fachin. No dia 19 de maio, escrevi um texto chamado “Temer foi vítima de atos ilegais; democracia rejeita ‘entrapment’”.
Era tão evidente que se estava diante de uma armadilha.
Na Folha desta segunda, leio o seguinte:
Uma troca de mensagens encontrada pela Polícia Federal sugere que procuradores orientaram executivos da JBS a gravar por conta própria –ou seja, sem autorização judicial– o momento da entrega de dinheiro a pessoas que seriam delatadas pelo grupo comandado pelo empresário Joesley Batista.
Os diálogos ocorreram em um grupo de WhatsApp de nome Formosa, provável referência à cidade natal dos irmãos Joesley e Wesley Batista, em Goiás.
As conversas ocorreram em 4 de abril, data em que os advogados da empresa participaram de uma reunião na sede da PGR (Procuradoria-Geral da República) com Eduardo Pelella, chefe de gabinete do então procurador-geral, Rodrigo Janot, e Sérgio Bruno, do grupo da Lava Jato.
Na ocasião, os sete executivos da JBS não tinham se tornado oficialmente colaboradores da Justiça. O pré-acordo de colaboração premiada foi assinado em 7 de abril e a homologação saiu em maio.
No dia seguinte à troca de mensagens, em 5 de abril, o executivo Ricardo Saud gravou, por conta própria, a entrega de R$ 500 mil para Frederico Pacheco, primo do senador Aécio Neves (PSDB-MG). A gravação foi feita na sede da JBS, em São Paulo.
Esse foi o primeiro de um total de quatro pagamentos combinados entre Joesley e Aécio, completando R$ 2 milhões. Os repasses das outras parcelas foram filmados pela Polícia Federal com autorização judicial.
Participavam do grupo de WhatsApp o ex-procurador Marcello Miller, a advogada Fernanda Tórtima, Joesley, Wesley, Saud e Francisco de Assis e Silva, advogado e delator. Os diálogos indicam pressa da PGR para fechar a delação.
(…)
As mais de 200 mensagens, às quais a Folha teve acesso, estavam no celular de Wesley, apreendido em maio.
“Eles acham que podem desconfiar se adiarem [os pagamentos pendentes]. [Procuradores] Acham que vcs podem fazer uma vez sozinhos gravando e deixariam a controlada para a seguinte”, escreveu Tórtima no grupo.
Retomo
A reportagem da Folha evidencia o que afirmei aqui em maio, três dias antes de algum vagabundo vazar uma conversa minha com fonte para tentar me constranger. Reproduzo trecho:
Os absurdos cometidos contra o presidente Michel Temer podem colaborar para que a Lava Jato volte aos eixos à medida que será preciso reconhecer erros grotescos de procedimento, que não podem se repetir. Do contrário, a operação estará, ela mesma, correndo riscos. Está claro, a esta altura, que a turma não tem limites.
Nota: o braço da Lava Jato que atinge o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves (PSDB-MG) recebeu o sugestivo nome de “Operação Patmos”. É a ilha grega onde São João recebeu as revelações do Apocalipse. Se alguém ainda duvidava do caráter messiânico da turma…
É um absurdo que tantos advogados silenciem a respeito da barbaridade que se urdiu contra Temer. Aquilo nada tem de “ação controlada”, prevista no Artigo 9º da Lei 12.850. Retardar um flagrante em benefício da prova é diferente de preparar, de forma deliberada, as circunstâncias para o cometimento de um crime.
Precisamos, isto sim, é saber se não estamos diante daquilo que, nos EUA, é chamado de “entrapment”, que é uma cilada legal. Usa-se o aparato de estado para induzir um flagrante. Por lá, é um procedimento ilegal. Por aqui, também. Assim é em todo o mundo democrático. Só as ditaduras consagram tal meio.
Caso se investigasse a investigação, chegar-se-ia ao óbvio.
Segundo a versão da carochinha, espalhada por Joesley Batista com a ajuda do MP e da PF — e na qual a maior parte da imprensa cai por uma série de motivos, que merecerão post exclusivo —, o empresário decidiu ele próprio fazer a gravação. Não teria acertado isso nem com Ministério Público nem com Polícia Federal, que só teriam entrado em cena depois.
Pois é, meus caros. E a doutora Tórtima?
Sei bem o que tudo isso me custou. Entre outras coisas, dois pedidos de demissão. Mas não me arrependo nem um segundo sequer. Eis aí. Estamos em outubro. O leitor deste blog encontrava razões para desconfiar já em 19 de maio, há mais de cinco meses.
A propósito: não está na hora de a OAB indagar se a doutora Fernanda Tórtima não exerceria o seu trabalho de modo um pouco ortodoxo? E lá está Marcelo Miller, aquele que escreve textos à beira da autocanonização. A propósito: o que resultou da investigação determinada pela ministra Cármen Lúcia? Não está na hora de Raquel Dodge atuar, pautando-se apenas pela lei.
E mais um convite ao ministro Barroso
E, para encerrar, vamos ver. No dia seguinte àquele em que deu um piti porque não suportou ouvir que o Estado do Rio está quebrado, o ministro Roberto Barroso, do Supremo — queridinho de setores da imprensa; especialmente do setor carioca; vai ver quebradeira pouca é bobagem… —, afirmou ter “quase passado dos limites”.
O advogado de um ex-terrorista, condenado em seu país pelo assassinato de quatro pessoas, condenação esta referendada por cortes internacionais insuspeitas de perseguir esquerdistas, julga que uma reação corporativista (é isso na hipótese benigna….), em que acusa outro membro do tribunal de parceria com a leniência com o crime do colarinho branco, é “quase” (APENAS QUASE!) passar dos limites… Fico aqui a imaginar o que seria, de fato, passar.
Ou nem preciso imaginar. Acho que Barroso passa dos limites quando não se dá por impedido ao votar no caso JBS. Fernanda Tórtima é sua irmã — por consideração ao menos. É filha de um outro casamento da ex-mulher de seu pai. E os dois privaram, por óbvio, da chamada intimidade familiar — esta, sim, real. Acho que Pedro Bial não sabia disso quando o entrevistou, e o doutor, com a ligeireza disfarçada de gravidade, que lhe é bem própria, resolveu fazer digressões sobre suposto impedimento de um desafeto seu.
Ou será que Barroso acha que só há impedimento (se houvesse) quando se concede um habeas corpus, mas não quando se nega, estando a sua quase-irmã no polo oposto daqueles que são vítimas da decisão?
Flagrante armado.
O nome disso é crime.
Ah, sim, quanto ao jornalista influente: eu estava certo, e ele, errado.
Paguei o preço de estar certo. E o que se paga pelo erro?
Nada!
PS: Ah, sim! Imaginem uma parenta, deixem-me ver, do ministro Gilmar Mendes como advogada da JBS, sugerindo, de moto próprio, num grupo que inclui futuros delatores e um membro da PGR, que se arme um flagrante criminoso… Acho que daria “Jornal Nacional”.