CCJ num dia em que conspiradores confessam crimes. Por Reinaldo Azevedo – Heron Cid
Bastidores

CCJ num dia em que conspiradores confessam crimes. Por Reinaldo Azevedo

19 de outubro de 2017 às 11h06 Por Heron Cid

A lógica elementar estaria a indicar que, depois das revelações estarrecedoras sobre a forma como se deu a delação de Joesley Batista, fosse arrefecer um tanto o ânimo do golpismo e, para empregar a palavra a que recorreu recentemente o presidente Michel Temer, da conspiração. Mas quê… Não deixa de ser curioso. Um conspirador é um compulsivo. O comer lhe assanha a fome. O beber lhe assanha a sede. Quem conspira está sempre a imaginar novas trapaças, novos truques, novas patranhas. Esta quarta, no entanto, foi um dia bastante eloquente na revelação das tramoias e desmandos que passaram a dar as cartas no Ministério Público Federal e na Procuradoria Geral da República sob o comando de Rodrigo Janot. Já chego lá.

A Comissão de Constituição e Justiça aprovou, como sabem, por 39 votos a 26, o relatório do deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), que recomenda o arquivamento da segunda denúncia oferecida contra Temer por Janot. O presidente é acusado de obstrução da investigação e de integrar, imaginem!, organização criminosa, imputação que alcança também os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria Geral). Já disse aqui que o relatório de Andrada e a defesa de Temer trituram as bobagens do acusador-geral da República. O resultado na CCJ era o esperado, praticamente igual ao placar na primeira denúncia.

O que é de estarrecer? Ainda que seja absurdo, ainda que seja surreal, ainda que seja estupefaciente, o clima está um tanto mais pesado do que da outra vez. Os que pretendem depor o presidente estão ficando indóceis e desesperados à medida que percebem que isso não vai acontecer. Então recorrem a ainda mais baixarias, a ainda mais violência retórica.

É claro que a divulgação dos tais vídeos com o depoimento de Lúcio Funaro buscou fragilizar a defesa e armar o verbo dos deputados de oposição e de alguns minguados da base aliada que votaram contra o presidente. A falta de argumentos gritava. Tudo o que Funaro tinha contra Temer era de ouvir dizer. Se querem saber, chega a ser pornográfico submeter tal peça ao plenário da Câmara. E por que a votação acontece num dia especial?

Como sabemos, a outra “fonte” das acusações de Janot é Joesley Batista. Pois é… Ficamos sabendo que ex-procurador Marcelo Miller admitiu, em depoimento à Polícia Federal na semana passada, que colaborou, sim, com os executivos da JBS na elaboração dos termos que seriam apresentados à Procuradoria Geral da República para que se começasse a negociar a delação premiada. E, acreditem, ele disse que o fez, vejam que mimo!, só para ser “cortês”. Suas intervenções teriam se limitado a correções de língua portuguesa. Segundo aquele que era o braço direito de Janot, Ricardo Saud, diretor da JBS, o procurou para que desse uma opinião sobre o texto. Ele, claro, negou que tenha orientado os termos da delação. E sobre a sua dupla militância? E sobre o tempo em que, estando ainda na PGR, já orientava também o acordo de leniência da empresa? Ah, bem, ele disse ter se sentido “desconfortável”.

Só isso? Não! Há mais.

Francisco de Assis e Silva, diretor jurídico da JBS, também ele um delator premiado, disse em depoimento à CPMI que investiga as lambanças do grupo que esteve, sim, com o notório Miller nos dias 12 e 17 de fevereiro, antes de o agora ex-procurador deixar a PGR. E foi explícito: Miller ajudou a redigir os termos da delação de Joesley e associados. Cumpre lembrar: e-mails entregues pelo escritório de advocacia para onde Miller migrou mostram que ele repassava informações a duas advogadas que lá trabalhavam. A lei proíbe esse tipo de atuação e prevê consequências: a anulação da delação e das eventuais provas que tenha produzido.

E isso, meus, caros, como vocês sabem, é apenas parte da armação. Quando chegou a hora de desfechar a operação que tinha como alvos Temer e Aécio Neves, Janot não teve dúvida: procurou Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, e, ao arrepio da lei, nomeou-o relator também do caso JBS, como se tivesse poder para isso. Cármen Lúcia concordou com a flagrante ilegalidade, referendada depois pelo Supremo.

Logo em seu segundo pronunciamento sobre a aventura golpista, o presidente alertou justamente para atuação ilegal de Miller. E, no entanto, a coisa está aí. Há ainda mais: já se sabe que Joesley e Funaro haviam feito uma espécie de pacto de silêncio e de fala. Quando um decidisse delatar, o outro faria o mesmo. Ou o açougueiro não foi flagrado dizendo que Funaro botaria a tampa no caixão do governo?

Vejam que coisa: é uma denúncia maculada por tais vícios que foi alvo de deliberação nesta quarta na CCJ da Câmara. Temos um governo que vive sob o assédio de notórios bandoleiros.

Não deixa de ser curioso ler notícias na imprensa dando conta de que Temer fez esta ou aquela concessões a este ou àquele grupo para garantir votos. Ou, então, liberou esta ou aquela emendas. Boa parte não passa de fantasia. Afinal, dado o Congresso que temos, o presidente que não negociar é deposto, ainda que não esteja sob cerco. Ora, quem dá poder de negociação à bandidagem — e parte da imprensa o faz — não pode reclamar quando o governo tenta se livrar das armadilhas.

Se a imprensa quer ver o país livre de bandidos, precisa começar a dar menos trela para… bandidos.