A aritmética não é a disciplina predileta dos jornalistas. Só isso pode explicar que se considere “apertado” o resultado da votação do Senado que devolveu a Aécio Neves (PSDB-MG) as garantias de senador que lhe haviam sido surrupiadas por uma decisão destrambelhada do Supremo, que não está prevista em lugar nenhum da Constituição. E é de números que quero falar inicialmente aqui.
Dos 70 votos possíveis, Aécio obteve 44, o que corresponde a 62,85%. Os 26 que endossaram a patuscada do STF sãop 37,14%. O número já não lhes parece menos “apertado”? Mas por que só 70? Há oito senadores em viagem, Rose de Freitas (PMDB) disse não ter encontrado assento em voo do Espírito Santo para Brasília (coitadinha!), e o próprio Aécio e Eunício Oliveira (PMDB), presidente do Senado, não votam. A lista se encontra à disposição de todos.
Entre os oito viajantes, três seriam certamente votos contrários ao tucano, a saber: Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e os petistas Jorge Viana (AC) e Gleisi Hoffmann (PR). Tenderiam a negar a decisão do STF Armando Monteiro (PTB-PE), Gladson Camelli (PP-AC), Ricardo Ferraço (PSDB-ES) e Sérgio Petecão (PSD-AC). Dadas as declarações habitualmente tendentes a se juntar à esquerda, é possível que Cristovam Buarque (PPS-DF) se somasse à minoria que queria a punição. E Rose? Sei lá o que pensar de quem dá desculpa tão esfarrapada.
O resultado foi particularmente positivo, como já destaquei, porque se deu em votação aberta, o que pode ser um sinal de que uma das Casas do Congresso começa a reagir às agressões de que tem sido alvo o Poder Legislativo. Não custa lembrar: na democracia, jamais um Poder da República se viu tão afrontado por Outro como nesse caso. E é essa a questão de fundo. Nesta terça, não se tratava de decidir se Aécio, que nem mesmo é réu, é culpado ou inocente das acusações que lhe faz Rodrigo Janot, numa denúncia que chega a ser escandalosa por sua fragilidade — como, aliás, é regra, dado o que costuma sair de cabeça tão perigosa e de pena tão destrambelhada.
Quando se analisa a geografia do voto, nota-se que ela obedeceu, com raras exceções, à conhecida divisão “governo X oposição”. Assim, os senadores das siglas antigovernistas votaram contra Aécio, a saber: PT, PDT, PSB, Podemos e Rede. São poucos os parlamentares que não fazem oposição sistemática ao Planalto e que se posicionaram contra Aécio, a saber: Ana Amélia (PP-RS), Magno Malta (PR-ES) e Ronaldo Caiado (DEM-GO). Com a devida vênia, ou isso traduz um entendimento realmente muito curto da política ou se trata apenas de populismo vulgar. Resolveram embarcar na onda das redes sociais, deixando de lado a questão institucional. Os peemedebistas Roberto Requião (PR) e Kátia Abreu (TO) atuam como oposicionistas. Otto Alencar (PSD-BA) obedece à orientação do ex-ministro petista Jaques Wagner, não à do ministro Gilberto Kassab — votou, por exemplo, contra o impeachment de Dilma. Também do PSD, o gaúcho Lasier Martins, que foi repórter da RBS por mais de 30 anos, continua, vamos dizer, fiel à orientação dos ex-patrões e vota afinado com a metafísica da Globo — que é anti-Aécio e anti-Temer.
O que virá agora? Vamos ver. Aécio se depara com desafios pessoais nada corriqueiros. Janot lhe arrumou uma penca de inquéritos, além da denúncia que está na raiz da decisão destrambelhada do Supremo. Há também o desafio partidário: afinal, o PSDB não é o PT, que se fecha em copas em defesa dos seus. Ao contrário: alguns que lhe puxavam o saco até a véspera não hesitaram em pedir a sua cabeça tão logo veio a público a patuscada do ex-procurador-geral. Tem sequência, agora explicitamente, a disputa pelo controle do partido, que se mistura à definição do candidato da legenda à Presidência.
Quanto ao Senado, vamos ver. A política vive o seu estado de miséria, mas a Casa emitiu o primeiro sinal, em muito tempo, de que ainda não está morta.