A direita se transforma no último refúgio dos canalhas. Por Reinaldo Azevedo – Heron Cid
Bastidores

A direita se transforma no último refúgio dos canalhas. Por Reinaldo Azevedo

14 de outubro de 2017 às 09h01 Por Heron Cid

É conhecida a frase do inglês Samuel Johnson (1709-1784): “O patriotismo é o último refúgio de um canalha”. Acabou distorcida. Referia-se a uma situação específica da política do seu tempo. Não hostilizava ou renegava os “patriotas”, então uma corrente política. Criticava vigaristas que passaram a se abrigar sob tal manto, pervertendo ideias que considerava virtuosas. Nestes dias, o liberal brasileiro está obrigado a dizer: “A direita é o último refúgio de um canalha”.

Nesta quarta (11), fiz o que não faço quase nunca. Acompanhei um tantinho, nas redes sociais, as reações de grupos organizados “de direita” à sessão do STF que decidia se medidas cautelares impostas pelo Judiciário a parlamentares devem ou não ser submetidas à respectiva Casa Legislativa. “As direitas” não estavam entendendo nada.

Os ditos direitistas, excetuando-se raras ilhas de compreensão, esmeravam-se em vomitar ignorâncias contra “todos os políticos”. Sentem-se moralmente superiores a seus antípodas por atacar a política ela mesma, em toda a sua extensão. O mal dos adversários estaria na seletividade. Entendi. Os esquerdistas se orgulham de olhar no olho de suas vítimas antes de atirar. Justiça que enxerga! A direita de que falo atira antes de olhar. Justiça cega!

Vi antipetistas fanáticos, anticomunistas patológicos e convictos fascistoides de direita a aplaudir o voto de Luís Roberto Barroso. Junto com a esquerda. Aquele cheiro de sangue no ar. O que a etimologia ensina sobre “canalha”? Resposta: “cachorrada”. É que o doutor lavou o seu relativismo constitucional com o linchamento do senador Aécio Neves, que não era nem citado naquela ADI. Seu voto ia apertando todos os “botões quentes” da polêmica, para empregar uma expressão que Umberto Eco cunhou muito antes de conhecermos o bueiro do capeta das redes sociais.

Sem vergonha na toga e da toga, o doutor começou atacando o foro especial, que não estava em julgamento. A direita salivava. Depois apelou à metáfora dos “peixes pequenos”, sempre punidos, e dos “graúdos”, sempre impunes. Mais baba. Poderia ser o “Sermão de Santo Antônio aos Peixes”, de Padre Vieira. Era só o “Proselitismo Esquerdopata de Barroso aos Tolos”. Aí resolveu condenar Aécio, que nem réu é ainda.

Dinheiro, ensinou, tem de passar pelo banco, ou a corrupção está comprovada. E, se é assim, pode-se rasgar a Constituição em nome da honestidade. É precisamente o que faz a esquerda mundo afora. Ele nem teve a delicadeza de dizer qual foi a contrapartida –ou promessa de– oferecida pelo senador a Joesley Batista, o que poderia caracterizar corrupção passiva. A cachorrada se afogava de prazer na gosma peçonhenta.

A ficha das “direitas” não caiu nem quando, negando a sua condição de “ativista judicial”, Barroso afirmou ser contrário ao STF legislador e interventor, mas só nas matérias de natureza constitucional. E, mesmo nesse caso, deixou claro, dá-se o direito de legislar sobre “direitos de minoria” e “proteção às regras da democracia”. Não por acaso, é o gênio da raça que resolveu fazer uma interpretação extensiva de um habeas corpus e, pimba!, decidiu “legalizar” o aborto até o terceiro mês de gestação. Não ficou claro se o assassinato do feto, que não pode correr nem se defender, é um “direito de minoria” ou uma “regra da democracia”.

Por 6 a 5, depois das adaptações, decidiu o STF que a Justiça pode, sim, aplicar a parlamentares as medidas cautelares do Artigo 319 do Código de Processo Penal, mas tudo o que afeta o mandato deve ser submetido à Casa Legislativa a que pertence o punido por prevenção. Das aberrações, a menor. A confusão, agora, vai se estender a Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores.

A direita dos humores pegajosos, constatou minha mulher, ainda agora se afoga em secreções de puro rancor. Queria mais inconstitucionalidade. Que o Brasil sobreviva ao patriotismo dos canalhas!

Comentários