O Brasil se livrou de Janot, mas não ainda de seus métodos. Por Reinaldo Azevedo – Heron Cid
Bastidores

O Brasil se livrou de Janot, mas não ainda de seus métodos. Por Reinaldo Azevedo

18 de setembro de 2017 às 10h29 Por Heron Cid
Janot e Raquel Dodge (Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil)

Rodrigo Janot já não é mais procurador-geral da República. Eis a grande notícia desta segunda-feira para o país, para cada um dos brasileiros e, em especial, para a democracia e o Estado de Direito. Como escrevi em recente coluna na Folha, isso não significa que, com o seu ocaso, morram também os efeitos deletérios de sua gestão. Infelizmente, não!

A  Lava Jato contribuiu para evidenciar que o Estado brasileiro tinha sido, em parte, sequestrado pela corrupção? Bem, isso é inegável, e não há uma só pessoa razoável que não reconheça esse mérito à operação e às investigações em curso. Ocorre que o sapateiro quis ir muito além das sandálias. Se o Ministério Público Federal, em suas distintas instâncias — e, em parte, isso também vale para o Judiciário —, tivesse se conformado com o seu papel, as investigações poderiam ter avançado até mais, sem, no entanto, macular a Constituição e as garantias individuais e sem ter conduzido à país à beira do abismo político.

Há vícios na atuação no MPF — e deixo claro que, nesse particular e em muitos outros, não faço distinção entre a Procuradoria Geral da República e a Força Tarefa de Curitiba — que são insuportáveis, incompatíveis com uma sociedade democrática. Têm de ser combatidos. E isso passará também pela mudança da legislação. Vamos ver:

1: Janot e seus procuradores oferecem denúncias com base em delações homologadas sem uma investigação mínima. Basta, assim, a palavra de um delator em busca de benefícios para que um político caia em desgraça;

2: o MPF, a quem cabe, exclusivamente, oferecer a denúncia, gostaria, como se sabe, de ter o monopólio também da investigação. Curiosamente, como resta escancaradamente claro, o MPF órgão investiga cada vez menos. Seu trabalho, hoje, se limita a oferecer denúncias com base em escutas, livremente interpretadas, e delações. Os fatos que se danem. Dois casos são eloquentes: até  agora, as respectivas delações de Sérgio Machado e Delcídio do Amaral se revelam um conjunto de acusações fraudulentas;

3: na era Janot, requerimentos sobre abertura de inquéritos se transformaram em condenações prévias. Este senhor não observou nem mesmo os prazos de prescrição para enviar ao STF pedidos de abertura de investigação;

4: Janot concedeu perdão judicial para delatores antes de qualquer investigação prévia e sem a instauração do inquérito;

5: é verdade que não fez bobagem sozinho. Encontrou pela frente um Supremo condescendente com suas práticas exóticas. Teori Zavascki, cumpre reconhecer, já era um relator bastante relaxado nos critérios, pressionado que estava pela opinião pública. Com Edson Fachin, chegou-se ao extremo da leniência. Janot pediu, e os relatores concederam, e relator no stf concedeu. o fim do sigilo de delações ao arrepio de qualquer investigação. Da noite para o dia, as pessoas tinham seus respectivos nomes arrastados para a lama sem que se tivesse apurado nada;

6: querem evidências deletérias dos malefícios desse procedimento? Pois não: a PF investigou e não encontrou evidências de que Romero Jucá, Renan Calheiros e José Sarney tentaram obstruir a investigação: na sua denúncia, no entanto, Janot havia pedido a prisão dos três. O delator que lucrou com a farsa: Sérgio Machado. Dilma Rousseff foi acusada de nomear dois ministros do STJ para beneficiar um empreiteiro, também ela, então, acusada de obstrução. Mais uma vez, a PF bateu no vazio. O delator que lucrou com a farsa: Delcídio do Amaral. Algo semelhante se deu na primeira instância: Lula se tornou réu em um dos processos, acusado de mandar comprar o silêncio de Nestor Cerveró. Mais uma vez, as provas não apareceram, e o próprio MPF do Distrito Federal pediu a absolvição do chefão petista e do banqueiro André Esteves, que chegou a ser preso. O banco que ele dirigia teve um enorme prejuízo. Bandido premiado com essa mentira? Mais uma vez, Delcídio;

7: quem participou ativamente das respectivas delações de Machado e Delcídio, que se viram mergulhadas da fraude, embora eles conservem, por ora ao menos, os benefícios da delação? Marcelo Miller, o procurador que, como resta evidente, atuou ilegalmente em todas as tratativas que resultaram na delação dos diretores da JBS;

8: Janot e seus bravos da Lava Jato nunca se ocuparam de respeitar o devido processo legal. Ao contrário: passaram a considerar que as leis estão aí para ser superadas e que elas constituem entraves ao andamento das investigações. Não por acaso, o MPF, por intermédio de Deltan Dallagnol, com o apoio de Janot, passou a defender as tais 10 medidas contra a corrupção, quatro delas notoriamente fascistoides: a extinção velada do habeas corpus, a ampliação das possibilidades de previsão preventiva, teste de honestidade aplicado aleatoriamente a servidores e admissão de provas ilegais;

9: a escalada autoritária do MPF resultou na operação que garantiu a impunidade, ora revista, aos irmãos Batista e na quase deposição de um presidente da República, às voltas com uma segunda denúncia vigarista. Não tivessem os bandidos evidenciado, numa gravação entregue por engano, os crimes que se escondiam nas dobras do acordo de delação celebrado com Janot, e os brasileiros teriam sido vítimas de um dos maiores malogros da história;

Felizmente, Janot já não está mais no comando da PGR e do MPF. Que a nova titular, Raquel Dodge, recoloque nos trilhos o necessário trabalho de combate à corrupção. Hoje, o Ministério Público se tornou um órgão de combate às instituições e passou a falar uma linguagem abertamente política. E não sou do tipo que pede que se coíbam os excessos. Isso é coisa de permissivos: os funcionários públicos têm de fazer apenas o lhes facultam as leis. E ponto.

Se querem, ademais, uma evidência de quão fora da casinha e da caixinha está o MPF, fiquem com esta constatação: uma das tarefas do órgão, como se sabe, é investigar e combater os excessos das respectivas polícias, incluindo, por óbvio, a Polícia Federal. O MP é o órgão de controle externo das polícias. Eis que, no país da pá virada, acabou se dando o contrário: hoje, é a PF que se vê na contingência de controlar os porras-loucas do Ministério Público.

Sim, é preciso que todos nos perguntemos por que se permitiu que Janot fosse tão longe. Bem, Há uma lei de delações que tem de mudar, e há um Supremo que caiu de joelhos diante da ilegalidade e do alarido público.

Esse conjunto de disfuncionalidades levou o país à beira do abismo e quase o conduz à breca. E tudo sob o pretexto de combater a corrupção. Há celerados que não se importam de matar o doente se considerarem que é um preço a pagar pela cura do mal.

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