STF vai decidir se tem honra e dignidade. Por Reinaldo Azevedo
Não sei se o ministro Edson Fachin abusa, às vezes, da própria ignorância ou da alheia. Talvez as duas coisas. Por que afirmo isso? Vou explicar. Como se sabe, despedindo-se do mundo dos vivos, Rodrigo Janot produziu a sua última quimera: a segunda denúncia contra Michel Temer, na qual incluiu Joesley Batista e Ricardo Saud, além de parte considerável da cúpula do PMDB.
O presidente da República é acusado de obstrução da investigação e de integrar organização criminosa. Não! A estrovenga não seguirá imediatamente para a Câmara porque, antes, o STF irá decidir se a porcariada produzida por Janot será ou não suspensa. Na verdade, o STF vai dizer, por maioria, se lhe resta um pouco ao menos de dignidade, de honra, de vergonha na cara. Já volto ao ponto.
No meu blog e no programa “O É da Coisa”, que vai ao ar nesta emissora, às 18h, faço uma leitura detida das 245 páginas daquela aberração. Mas é possível sintetizá-la aqui de forma eficiente. O quase ex-procurador sustenta, na prática, que o PMDB é uma organização criminosa, da qual Temer passou a ser o chefe. Boa parte dos eventos que ele considera pagamentos de propina se deu antes de o peemedebista estar na Presidência. Nem poderiam estar listados na denúncia, pois. O Parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição impede que o presidente seja investigado, no curso do mandato, por atos estranhos ao exercício de sua função. Ainda que assim não fosse, Janot não apresenta uma maldita prova ou evidência contra Temer. O que há de supostamente contundente sai da boca de delatores premiados.
Como reza jurisprudência do STF, delação não é prova, mas apenas um dos meios para a obtenção da dita-cuja. No post em que destrincho aquele bicho exótico, jogo luzes no caso de Furnas. Segundo o aloprado Janot, a prova de que o PMDB recebeu propina por obras contratadas pela Estatal está no fato de que houve um aumento de doações eleitorais de empreiteiras que trabalhavam para a empresa no tempo em que ela esteve sob o comando de um indicado do partido. Mas quem afirma que as doações eram propinas? Ora, os delatores! E o que Temer tem a ver com isso? Ele era um dos chefe do PMDB. É tudo de uma ruindade assombrosa.
Qual é o trâmite de uma denúncia dessa natureza? Ela deve ser protocolada no Supremo, que a enviará à Presidência da Câmara, que vai remetê-la à Comissão de Constituição e Justiça da Casa. Pouco importa a decisão desse grupo, o texto vai a plenário. São necessários 342 votos contra o presidente. Se houver, a peça volta ao STF, e os ministros decidem se será ou não aberta a ação penal.
Muito bem! Desta feita, há um empecilho. O Supremo precisa julgar uma questão de ordem apresentada pela defesa de Temer, que pede a suspensão do processo até que não se esclareçam as coisas escabrosas que vieram a público sobre a delação dos diretores da JBS. As evidências de que a delação passou por caminhos criminosos são imensas. E muita coisa ainda vem por aí. O caso estava pautado para esta quarta, mas a ministra Carmen Lúcia houve por bem transferir a decisão para a semana que vem.
Fachin está espalhando por aí que ele até poderia ter enviado a denúncia à Câmara, mas que decidiu esperar a decisão do Supremo. É mesmo, é?
Em primeiro lugar, quem envia a dita-cuja à Presidência da Câmara é Carmen Lúcia, presidente do STF, não Fachin. Em segundo, a questão de ordem já está pautada para a semana que vem. Não depende da vontade do relator ela ter sequência ou não. Se a maioria decidir suspender o trâmite dos delírios de Janot, suspenso está.
Qual vai ser a decisão do Supremo?
Vamos ver. São tantos e de tal monta os descalabros nas delações da JBS, com benefícios ora revogados, que o tribunal não pode ignorar as escandalosas agressões à ordem legal. No centro da confusão está o ex-procurador Marcelo Miller, ex-braço direito de Janot. Já está mais do que evidenciado que ele participou, de forma ilegal, das tratativas pré-delação.
Reitero: não sei o que vai fazer o Supremo. Mas sei que suspender o trâmite dessa denúncia — que seria rejeitada pelo plenário da Câmara — é uma vereda que se abre para o Supremo resgatar parte de sua dignidade. O tribunal já evidenciou que pretende preservar o MPF como instituição. Hoje, a melhor maneira de fazê-lo e pondo o freio do bom senso em Janot. Sim, ele está para sair, mas o tribunal, ainda assim, tem de evidenciar que não vai tolerar ações ilegais sob o pretexto de combater a corrupção.
De resto, não há ministro naquela Corte que não saiba que virão à luz gravações que contribuirão para, quando menos, manchar a honra do tribunal. Aceitar a tramitação de uma nova denúncia sem que esses fatos estejam devidamente esclarecidos corresponde a abraçar o crime sob o pretexto de combatê-lo.
A nova denúncia de Janot é uma das peças mais patéticas produzidas pela PGR em sua história. Mas nem se cuida agora de dar uma resposta a essa ruindade. Ainda que ela fosse o Moisés das denúncias, não poderia ter curso até não se conheçam todos os detalhes dos crimes cometidos no processo de delação dos diretores da JBS, que resultaram na primeira investida de Janot contra Temer.
O STF vai dizer se lhe restou ou não um tanto de caráter, de responsabilidade e de respeito por sua própria história.