Os larápios estão em festa. Num instante em que a corrupção virou um pesadelo do qual a sociedade tenta acordar, o Supremo Tribunal Federal decidiu brigar consigo mesmo. Nesta quarta-feira, julgará dois pedidos de Michel Temer contra o procurador-geral Rodrigo Janot. A sessão pode elevar a estatura da Suprema Corte. Ou rebaixar o teto do tribunal.
Uma troca de farpas ocorrida nesta terça-feira na Segunda Turma do Supremo ofereceu um aperitivo do que está por vir. De um lado Gilmar Mendes. Do outro, Edson Fachin, relator da Lava Jato. No centro, um debate que teve como pano de fundo o curto-circuito que carbonizou a colaboração judicial da JBS.
Para Gilmar, que desde logo desqualifica como provas as gravações em que soam as vozes de Michel Temer e Aécio Neves, o Supremo vive um “vexame institucional”. E Fachin, “ludibriado” pela Procuradoria, flerta com a desmoralização por ter avalizado delações que não ficam em pé.
Esforçando-se para saltar as cascas de banana lançadas pelo colega, Fachin agradeceu a preocupação com sua biografia. Mas disse estar “em paz”, pois não fez senão tomar decisões escoradas “nas provas dos autos.” Na sessão desta quarta, a plateia saberá qual é o tamanho da ala Gilmar e da banda Fachin.
O que pede a defesa de Temer? Primeiro, que o procurador-geral, tido por “inimigo capital”, seja impedido de atuar nos processos contra o presidente. Segundo, que seja suspensa a pretensão de Janot de pendurar no pescoço de Temer uma segunda denúncia.
Num ambiente pacificado, o Supremo decidiria em poucos minutos. Arquivaria o pedido de suspeição de Janot e indeferiria o pedido para cortar-lhe as asas. É certo que Janot ofereceu munição para seus inimigos. Mas seria ridículo afastá-lo dos calcanhates de vidro de Temer a quatro dias do término do seu mandato como procurador-geral.
De resto, o Supremo teria de fazer malabarismo jurídico para privar o chefe do Ministério Público Federal da prerrogativa constitucional de denunciar o presidente. Seria como desqualificar a denúncia sem conhecer os seus fundamentos. Além de absurda, a providência é desnecessária, pois caberá ao próprio Supremo avaliar a consistência da peça. Se for inepta, pode ser arquivada antes seguir para a Câmara.
Neste contexto, é prematuro e inútil o debate sobre a sobrevivência das provas no caso JBS. É prematuro porque ainda está em curso a investigação sobre a suspeita de que Marcello Miller atuou dos dois lados do balcão —como membro do MPF e assessor da JBS. É inútil porque não produzirá decisões, apenas desgaste.
O diabo é que Gilmar Mendes não perderá a oportunidade de fustigar Janot. Sem acesso ao microfone, o procurador-geral tende a apanhar indefeso. O ministro Luís Roberto Barroso, que poderia tomar-lhe as dores, voou para os Estados Unidos. Participa, na Universidade de Yale, de um encontro de juízes de supremas cortes de vários países. Coisa agendada há tempos.
Imagina-se que o decano Celso de Mello não se animará a aderir à fúria de Gilmar contra Janot. Na Procuradoria, são contabilizados como votos pró-Janot, além de Celso, pelo menos mais cinco ministros: Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio Mello e Cármen Lúcia. A ver.
Seja como for, o brasileiro em dia com o fisco deve desanimar ao perceber que o Supremo Tribunal Federal, frequentemente acusado de judicializar a política, esteja agora tão politizado. Foro de políticos e autoridades, justamente o pedaço mais organizado do crime de colarinho branco, o STF parece mais interessado em brigar consigo mesmo do que com os assaltantes do Tesouro Nacional.