Por Chico Prado, Dimitrius Dantas, Gustavo Schimtt e Sérgio Roxo
SÃO PAULO — Preso há cerca de um ano em Curitiba, o ex-ministro Antônio Palocci se tornou ontem o primeiro petista a imputar crimes de corrupção ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a afirmar que o partido recebeu dinheiro de propina para financiar campanhas eleitorais. Ao ser interrogado pelo juiz Sérgio Moro, Palocci disse que a Odebrecht tinha um “pacto de sangue” com o PT. Segundo ele, em troca de benefícios com o governo federal, a construtora teria dado a Lula o sítio de Atibaia, o terreno onde seria construído o Instituto Lula, além de contratar palestras do ex-presidente por R$ 200 mil. Já o partido, sustenta, recebeu R$ 300 milhões, utilizados em suas campanhas.
O depoimento durou cerca de duas horas. Na maior parte do tempo, o ex-ministro parecia calmo e, em mais de uma oportunidade, afirmou ao juiz que não está “de santo nessa história”.
Em um ataque direto a Lula, Palocci afirmou que o ex-presidente sabia que as diretorias da Petrobras haviam sido loteadas para partidos políticos. Ainda de acordo com Palocci, a ex-presidente Dilma Rousseff também participou de reuniões com Emílio e Marcelo Odebrecht em que a participação da empresa em obras da União foi discutida. No depoimento, ele fez referência a uma conversa sobre uma corrupção na estatal em 2007. Recém eleito para seu segundo mandato, Lula teria se mostrado incomodado com o assunto, mas logo veio o pré-sal, e o “assunto de ilícitos de diretores ficaram para o terceiro plano”, de acordo com suas palavras.
— O pré-sal pôs o governo em uma atitude frenética em relação a Petrobras. Aí esse assunto de ilícitos de diretores ficou para o terceiro plano e ele perdeu as preocupações. E mais: até chegou a encomendar que os diretores fizessem mais reservas partidárias.
O “pacto de sangue” a que Palocci se refere teria sido discutido em reuniões de Lula com os dois mandatários da Odebrecht a partir do fim de 2010. Até então, de acordo com a versão do ex-ministro, não havia valores estabelecidos para pagamento da Odebrecht ao PT. Mas a empreiteira ficou receosa com a eleição de Dilma. De acordo o ex-ministro, quando era ministra da Casa Civil do governo Lula, Dilma foi a principal defensora de que a empresa não poderia assumir a construção das duas usinas hidrelétricas do Rio Madeira, obras que atraíam o interesse do grupo empresarial.
— O Emílio (Odebrecht) abordou (Lula) no final de 2010, não foi pra oferecer alguma coisa, doutor (Moro), foi pra fazer um pacto, que eu chamei de pacto de sangue. Envolvia um presente pessoal que era um sítio, envolvia o prédio de um museu pago pela empresa, envolvia palestras pagas a R$ 200 mil, fora impostos, combinadas com a Odebrecht. E envolvia uma reserva de R$ 300 milhões — afirmou Palocci.
Lembrando-se dessa passagem, o ex-ministro diz que Lula ficou surpreso com a oferta da Odebrecht, pois esses assuntos não costumavam ser discutidos em reuniões.
— Esse assunto não era prática dessas reuniões, mas nessa, foi. Esse foi o espanto do presidente Lula. Não o espanto de ter disponível R$ 300 milhões. Ele gostou disso, tanto é que na segunda vez falou que o doutor Emílio tinha confirmado R$ 300 milhões e poderia ser mais (e que era) pra eu cuidar disso. Não era pra cuidar do espanto dele, era pra cuidar do dinheiro — disse Palocci, que continuou:
— Eu não estranhei a surpresa do presidente, mas ele não me mandou brigar com a Odebrecht. Ele mandou eu recolher os valores — afirmou.
Advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins perguntou se Palocci estava presente nesta reunião. O ex-ministro contestou o defensor. Disse que a reunião está na agenda pública de Lula e confirmou que, em um segundo encontro, no dia 30 de dezembro daquele ano, a ex-presidente Dilma Rousseff também compareceu. Nesta segunda reunião “as amarrações políticas foram feitas”, afirmou Palocci.
“PEQUENO CAPÍTULO DO LIVRO”
Embora tenha falado de muitos assuntos, Palocci estava sendo ouvido em um processo que investiga se a Odebrecht pagou propina a Lula por meio de um terreno que seria destinado ao Instituto Lula e um imóvel localizado ao lado do apartamento do petista em São Bernardo do Campo.
— Os fatos narradas nessa denúncia dizem respeito a um capítulo de um livro um pouco maior do relacionamento da Odebrecht com o governo do presidente Lula e da presidente Dilma. Foi uma relação bastante intensa, bastantes vantagens dirigidas a empresa, propinas pagas pela Odebrecht em forma de doação de campanha, em forma de benefícios pessoais, caixa 1, caixa 2.
Segundo Palocci, a campanha eleitoral de Dilma em 2014 foi marcada pelo uso de doações eleitorais oficiais para esconder o pagamento de propina, tese defendida pelo Ministério Público Federal (MPF). A conta entre PT e Odebrecht não tinha limites, de acordo com o ex-ministro.
— Eu preferia não estabelecer limites, porque a minha conta com eles não tinha limite. Por exemplo, se eu precisasse de R$ 50 milhões para o Instituto Lula, tenho certeza que ele (Marcelo Odebrecht) daria. Eles (Odebrecht) tinham uma relação com Lula muito aberta.
Com relação ao Instituto Lula, Palocci afirmou que, entre o final de 2013 e o início de 2014, Marcelo Odebrecht fez um repasse de R$ 4 milhões para cobrir rombo nas contas do Instituto, a pedido do presidente do presidente da entidade, Paulo Okamotto:
Segundo Palocci, Okamotto fazia pedidos de repasses em dinheiro em espécie com frequência para o Instituto Lula, mas não deixou claro se esses pedidos eram aceitos.
O Globo